domingo, 31 de julho de 2011

Arquitetua da destruição

“O destruidor não pode mais destruir porque o construtor não constrói
O construtor não constrói porque não pode mais construir"
A face do destruidor – Arnaldo Antunes / Paulo Miklos

São José do Rio Pardo, município comandado por uma oligarquia secular e decadente, tenta se classificar como uma cidade turística e histórica, o que não deixa de ser plausível, se não fosse a falta de cultura de muitos, a mediocridade e a valorização da estética pela nossa sociedade, além dos interesses particulares de alguns.
O que vemos é nossa história cair ao chão juntamente com as construções, que num ritmo alucinante, estão dando lugar a prédios quadrados,com uma arquitetura de mau gosto, que servem para os famosos “cômodos para alugar”. A existência desse pensamento destruidor se justifica em razão de um “progresso”, que na mente retrógrada de alguns, acontece somente se passar literalmente por cima de tudo, sem questionar ou respeitar se aquilo que existi outrora representava algo para alguém ou para alguns.
O passado glorioso de São José do Rio Pardo, importante no período cafeicultor brasileiro, já não pode ser mais contado através das construções, sejam elas comerciais ou residenciais. Hoje temos o seu centro, e também boa parte das imediações, totalmente destruído e descaracterizado pela especulação imobiliária. O coração da cidade cada vez se encontra mais inchado pelo trânsito decorrente do comércio que se concentra , preferencialmente, nas ruas centrais.
A falta de iniciativa das autoridades, de um órgão fiscalizador sério e independente, os interesses pessoais e grupais e o descaso da comunidade que pouco se importa com quem somos, torna a destruição cada vez mais presente em nossa cidade, deixando-a desfigurada e sem característica própria.



Marcelo Augusto da Silva - 31/07/11

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Eu num quilombo

Nessas férias de julho resolvi conhecer um pouco mais do Rio de Janeiro. Além de ir até a bela e famosa capital, fui até Conservatória, um distrito de Valença, no vale do café, conhecida como sendo a “cidade das serestas e serenatas”.
Maior do que a expectativa em conhecer uma cidade histórica, riquíssima em cultura musical, era a minha curiosidade em poder visitar um quilombo e seus remanescentes que ainda vivem nesse local.
Pela internet tive acesso à informação que o quilombo era um dos locais de visitação do pequeno distrito, o que me deixou a vontade e ansioso para conhecê-lo. No caminho até ele a paisagem era surpreendente, formada por montanhas e cores que deixam os turistas fascinados pelo lugar; além de que no próprio trajeto há construções, como a ponte dos arcos e o túnel do capoeirão, originários da época do Brasil colonial, feito pelos antigos escravos.
Com facilidade de acesso até certo ponto, devido à sinalização em vários pontos da estrada que indicavam sua localização, em determinado momento a chegada pareceu incerta, pois não havia mais nenhuma informação sobre o seu local. Foi quando avistei um homem negro, por volta dos quarenta anos, montado em um cavalo e acompanhado de um cão, que informou cordialmente que o quilombo estava um pouco mais a frente, bastando apenas abrir uma porteira para adentrar em seu território.
Logo o receio de abrir uma porteira e entrar num terreno alheio foi vencido pela lembrança da segurança que o senhor à cavalo me transmitiu na sua informação. Mais uns poucos metros adiante estava eu empunhando minha câmera fotográfica adentrando um recinto que muito parecia em ser o tal quilombo, mas que ainda deixava uma pontinha de dúvida em se tratar dele mesmo, por conter construções bem parecidas com as nossas, que se encontravam revestidas por ornamentos que lembravam ter enfeitado uma festa que acontecera a pouco tempo.
Mais a frente e em outros locais mais distantes, porém todos cercados por bananeiras, avistei algumas casas de taipa, cobertas de capim, bem típica de uma construção feita por alguém que só disponibiliza desse tipo de material para sua edificação. No entanto a dúvida que eu estava no quilombo ou não permanecia, juntamente com minha ânsia de poder ter contato com pessoas cujos antecedentes fizeram parte de um grupo que desafiou um sistema opressor e lutou para reconquistar a sua liberdade.
Ouvi algumas vozes, e logo depois vi uma família saindo de uma das casas de taipa, protegida por uma cerca de bambu e rodeada por canteiros que visivelmente não estavam produzindo alimentos numa quantidade satisfatória. Timidamente perguntei se ali era o quilombo e tive uma resposta curta e não muito cordial.
Senti uma espécie de rejeição daquela família em relação a minha presença em seu território, na sua habitação que há tantas custas fora conquistada. Algo do nosso Brasil escravocrata ainda permanecia naquele local, na mente daquelas pessoas. Queria me aproximar delas, saber um pouco mais de suas vidas, do passado de cada uma e da sua comunidade, queria saber dos anseios de cada um e o que os jovens pensam do futuro. Algo dentro de mim também me travou, não consegui me aproximar, talvez por estar tendo um sentimento de não ser bem recebido por eles, ou então por eu imaginar que eles poderiam estar pensando que a minha visita não era num tom de amizade, mas sim de uma mera e tola curiosidade.
Saí com um sentimento misto de frustração e melancolia. Tinha a intenção de ter um contato maior, que pudesse me acrescentar um conhecimento maior e que pudesse quebrar barreiras.
No entanto compreendi o que havia dentro daquelas pessoas e o que elas pensaram sobre a minha presença ali, sendo que em nenhum momento as julguei por isso.
A minha confirmação foi que o Brasil ainda tem muito preconceito a vencer, tem muitas mágoas a serem apagadas; sentimentos que decorridos mais de um século ainda não foram superados.



Marcelo Augusto da Silva - 18/07/2011

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Violência pela paz


“Na virada do século, alvorada voraz
Nos aguardam exércitos, que nos guardam da paz. Que Paz?”
Alvorada Voraz - RPM

Talvez seja um pouco tarde pra dizer algo sobre o assassinato do líder da Al Qaeda, Bin Laden, ou então o assunto já tenha sido esgotado pelas várias formas de imprensa. Porém não há como deixar de tocar no que aconteceu, mesmo porque daqui pra frente as circinstâncias mostram que a situação irá tomar outros rumos, sempre numa relação de piora.
Ler a respeito do comportamento dos estadunidenses após a notícia da morte do terrorista foi pertubador, embora não se possa esperar muito daqueles que moram no norte do continente americano. No Ground Zero, local em que havia as Torres Gêmeas, filhos de uma vítima do atentado de 11/09/01 fizeram uma homenagem póstuma ao pai oferencendo flores com a preocupante frase “ A vingança foi feita”. Infâmia que Obama soube evitar substituindo por “A justiça foi feita”.
O ódio entre o Oriente Médio e o Ocidente não é um sentimento recente, nem por isso a atribuição de culpa sobre ataque recíprocos deva incidir sobre uma das partes. Se a Expansão Islâmica foi responsável por impor sua religião e matar muitos, as Cruzadas também se mostraram tão prepotentes e violentas quanto a ação muçulmana, abrindo um precedente para a rivalidade atual, não deixando bem definido quem foi o responsável por essa situação inimiga infindável.
Dentre todos os ataque de ambos os lados, o atentado às Torres Gêmeas foi o mais repercutivo. O fato é que a grande imprensa nunca divulga as intervenções estadunidenses em território oposto, nem muito menos mostra relações escusas entre ocidente e oriente, passando assim somente uma visão de que os EUA são vítimas. Pensar que daqui pra frente as condições irão se normalizar é um tanto quanto inocente; pensar que a justiça foi feita é não entender bem o significado da palavra. A revidação certamente virá.
Invadir para matar, mesmo com toda a culpa que carrega aquele que foi morto, não pode ser um exemplo de justiça, partindo do ponto em que a morte em nenhum caso é justificável. A ação mostrou uma ira estadunidense contida e agora resolvida nessa desforra.
Para os extremistas islamicos, o corpo do líder de uma das maiores organizações fundamentalistas estar em algum lugar do Mar Arábico, pode significar mais do que um extermínio, pode ser o aval para que mais ataques sejam executados contra alvos ocidentais, ou como pensam os seguidores da religião de Maomé, contra “os infiéis”.
Se o candidato à reelição pensou estar fazendo justiça, sua atitude não demonstra outra coisa além de retaliação. Se um país foi invadido e a operação foi tão bem realizada, por que não pensar na hipótese de capturar o terrorista e julgá-lo antes de uma execução? Obama e seus conterrâneos vivem querendo fazer apelos à paz e se passarem por quem se preocupa com ela. No entanto matar, segundo a ideologia deles, não é uma ação execrável e sim um ato de nobreza e a violência, desde que seja para impor a paz deles, é aprovada.


Marcelo Augusto da Silva - 27/05/2011

domingo, 15 de maio de 2011

Momentos de oba-oba

“A felicidade é uma perfeita forma de dominação totalitária”
Alfredo, personagem central do filme “Cronicamente Inviável”.

O transcorrer dos dias se faz, basicamente, em função das datas comemorativas ou dos eventos anuais. Mal se acabam as festas de final de ano e já se prepara para a chegada do Carnaval, que na quarta-feira de cinzas lembra que a Páscoa logo virá sucedida pelo dia das mães, que por sua vez, logo após dela virá outro dia a ser comemorado. Boa parte dessa sucessão de comemorações tem como responsável os interesses econômicos que propositalmente obrigam a vivenciá-las como forma de garantir uma lucratividade.
Juntamente com as datas festivas, a sociedade aguarda ansiosamente determinados eventos que se realizam periodicamente. É nessa época do ano em que estamos que vemos as festas populares – de inspiração estrangeira - tomarem conta de boa parte do território brasileiro, seja em grandes ou pequenas cidades, fazendo com que muitos, principalmente os jovens, dediquem seus os dias em função de sua realização. Assim como a mídia condiciona a presentear cada um em sua respectiva data, uma “consenso coletivo” leva muitos a participarem igualmente e contentemente dessas festas e eventos. A alegria passa a ser uma obrigação, um ritual que se deva passar, mesmo que não seja verdadeiro, tipo aquela felicidade extasiante e forçosa que todos têm que ter no verão ou no Carnaval. Embora esse sentimento não exista ou não faça parte naquele momento, a felicidade é como um compromisso a ser seguido. Uma felicidade a ser vivida mesmo que efêmera, falsa, pútrida e alucinante.
Envolvidos por esse clima de euforia a velha lógica do panis et circenses1 é colocada novamente em prática - acrescida atualmente da tática de gerar lucros para alguns – para assim se alcançar o objetivo de obter o controle geral, onde a população se converte naquela massa robotizada e alienada, que troca escassos momentos de alegria compulsória e imposta em detrimento da sua vida própria, deixando esquecido seu cotidiano, nem sempre satisfatório, pensando assim valer a pena “desfrutar bem” esses instantes.
Viver intensamente, superar limites, cometer exageros e desafiar a si mesmo são alguns dos ingredientes que movimentam multidões nessas ocasiões, que inocentemente e levados por essas sensações contagiantes e tidas como “essencialmente necessárias” são transformados em massa de manobra para o aproveitamento de alguns grupos pertencentes às elites ou àqueles responsáveis por nossa vida pública.
Que o lazer, e o consequente contentamento trazido por ele, são quesitos básicos para a nossa existência não há como contestar; o que não é tolerável é ver a sociedade ser manipulada e usada com peça fundamental de um jogo oportunista daqueles que se utilizam da felicidade alheia para o ganho ou para aproveitamento político.
Trocando em miúdos, a estratégia encoberta, e que vem aos olhos de quem está do lado de fora e não se deixa envolver, é ofertar diversão para dominar com mais facilidade. Os problemas do dia a dia são esquecidos nesses escassos momentos. Em troca se tem o controle da população no intuito de tirar algum benefício. Dê alegria a um povo e faça dele o que quiser.


1 Estratégia política utilizada pelo governo imperial romano em que se distribuía pão e se promovia a realização de espetáculos grandiosos e brutais para a enorme população pobre e desempregada, com o objetivo de desviar a sua atenção e assim conter revoltas



Marcelo Augusto da Silva - 12/05/2011

quinta-feira, 14 de abril de 2011

O Rio continua o mesmo

Nessa semana fui assistir “Rio”, a nova animação dos estúdios da 20th Century Fox, que estreou no dia 08, e que nosso cinema nos deu a oportunidade de ver a obra simultaneamente com todo o Brasil, já que sua estreia nacional foi nessa data. Dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha, que foi o responsável pelo sucesso “A Era do Gelo”, o filme conta a história de uma arara-azul, que capturada quando filhote numa mata brasileira, é vendida para o exterior e volta ao país depois de uma década e meia. O diretor afirmou em várias entrevistas que há tempos tinha o sonho de fazer uma animação em homenagem ao seu país e retratar nele o cotidiano de sua cidade natal, o Rio de Janeiro. Normalmente surge nas produções afora uma ou outra que menciona o Brasil, mostrando ele a partir de uma visão estereotipada da nossa realidade. Nada de se estranhar, já que esse olhar vem do outro, mas confesso que no caso de “Rio” julguei que a narração seria sob outro foco, partindo da idéia de quem está por trás de sua realização aqui nasceu e se diz orgulhoso disso. No entanto a trama mantém aquele velho padrão “preconceituoso” de ver o Brasil; aquele cuja essência é resultado da fórmula “favela, carnaval, futebol e bandidagem”. Embora dessa vez nenhum ser humano foi retratado como ladrão, esse papel desprezível coube a um bando de macacos que assaltam turistas no Cristo Redentor, junto com eles se somam os traficantes de animais que aqui vivem e abastecem o mercado negro desse segmento no exterior (que muito lembraram os traficantes de drogas), menores carentes que caem na marginalidade, e a feiúra da favela se mesclando à beleza colorida do carnaval carioca. Mesmo com alguns personagens bem engraçados e com aquela aventura típica já conhecida, creio que “Rio” poderia ter mostrado um Brasil pouco menos padrasto do diretor que hoje brilha no mundo, mas sim ter se revelado como a ‘’mãe gentil” de muitos. Em certas cenas tive a impressão de estar vendo o mesmo Brasil pintado pejorativamente em outras obras, como foi o caso de um episódio da série “Os Simpsons” em que a família veio para cá - cuja ocasião de sua exibição foi tão comentada e tão polemizada – e mostrava o país carnavalesco de sempre e como um antro lascivo, irresponsável e criminoso. Não querendo que a realidade seja mascarada, nem muito menos jogar a sujeira debaixo do tapete, penso que a retratação brasileira poderia ser de outro jeito, e que contasse ao mundo que aqui há sim praia, carnaval e problemas sociais, mas ao mesmo tempo mostrasse as qualidades e as virtudes naturais do país e de seu povo.


Marcelo Augusto da Silva - 14/04/2011

quinta-feira, 31 de março de 2011

“Chernobyl não foi suficiente”

No final da década de 1980 lembro que eu ouvia Os Replicantes, banda gaúcha de punk-rock, cantar a música “Chernobyl” a qual fazia uma dura crítica ao uso da energia nuclear, inclusive no Brasil, se apoiando e se inspirando no acidente ocorrido numa usina da extinta URSS. De acordo com determinadas publicações que tive acesso nessa semana, algumas falam em números significativos de vítimas nesse acidente, outras já afirmam que essa soma é hoje relativamente pequena uma vez que ela foi maquiada no seu acontecimento para servir de crítica ao socialismo soviético. Deixando as desavenças ideológicas de lado, o Japão volta a por o assunto em pauta novamente, sem deixar de esquecer Chernobyl ou outras usinas que passaram pela mesma situação. Mas o que chama a atenção é que nesses longos anos de debate sobre o uso ou não da energia nuclear nada de eficaz ou de prático foi feito para que se opte por outras formas de geração energética. Os japoneses, vítimas de um desastre nuclear no final da Segunda Guerra, e que por isso deveriam ser os pioneiros em adotar fontes de energia alternativas, são os que estão à frente no uso nuclear. Os quase 160 mil mortos provocados pela explosão das bombas de Hiroshima e Nagasaki não interferiu na escolha do Japão. Agora em meio à discussão do uso pacífico da energia nuclear - se é que se pode usar o termo paz na utilização de uma energia que apresenta um alto risco de acidente e contaminação - fica a pergunta: “por que não investir em outra forma de geração de energia”? É claro que há interesses dos mais variados no uso da fissão nuclear, não só de governos, mas também de empresas e pessoas. Basta olhar para o caso do Brasil, que na época da ditadura iniciou a construção das usinas de Angra, investindo um valor altíssimo, sendo que a oferta de energia gerada por elas chega a ser insignificante. Olhando para o nosso umbigo, num país das proporções territoriais como o Brasil e da disponibilidade de recursos naturais que ele possui, não há justificativas para o uso de energia proveniente dos átomos nem das hidrelétricas, que não provocam acidentes, mas causam um impacto ambiental e social enorme. Pude constatar que na Europa muito se investe na exploração da energia eólica e solar, enquanto aqui com a vastidão do nosso litoral e do sol que na maior parte do ano está irradiando com toda a intensidade, há raríssimos locais que utilizam essa solução. Sem falar que nosso país está deixando de investir na diversidade agrícola para se dedicar ao plantio da cana para a produção do etanol enquanto pagamos um alto preço pelo combustível, aonde em muitos casos é de má qualidade. Lembro que na ocasião da visita do ex-presidente Bush ao Brasil escrevi nesse periódico sobre as suas intenções de se aproximar do governo brasileiro para que esse incentivasse a plantação da cana para a produção de etanol para exportação; nesse final de semana li que nesse momento é o Brasil que vai importar o álcool dos EUA num preço obviamente alto. Se um dos maiores produtores de cana do mundo está importando combustível e aumentando a proporção de água na gasolina, como também foi divulgado na imprensa nesse último final de semana, fica claro que há jogo de interesses e troca de favores, cuja conta é paga por nós cidadãos. Se as desculpas para a não exploração de fontes de energia renováveis e limpas é o seu alto custo, fico pensando então se as outras formas apresentam então um valor extremamente compensador para que justifique o seu uso. Uma usina nuclear ou hidrelétrica, que certamente não apresentam um custo baixo comparadas às outras, se reprovam ao apontar tantos pontos negativos que vão dos impactos ambientais aos riscos de acidentes. No mundo moderno em que vivemos a energia é cada vez mais indispensável. No passado vivíamos as guerras por razões territoriais ou étnicas. Hoje vivemos uma guerra oculta e silenciosa por grandes corporações e empresas que disputam o domínio da economia mundial, e nesse caso o setor energético é motivo para essa briga. O debate ético e responsável por procura de meios alternativos, saudáveis e sensatos no uso da energia, pelo que se mostra, vai continuar na roda de alguns poucos, como os intelectuais, os artistas e entre alguns poucos que se preocupam com o bem geral, mas falam sozinhos.


Marcelo Augusto da Silva - 31/03/2011

quinta-feira, 24 de março de 2011

Até quando intervir?

A luta dos rebeldes na Líbia contra Kadafi e a dúvida dos países do ocidente e da ONU de intervirem no país contra o governo me fez repensar sobre esse assunto, resgatando um velho dilema e uma grande indagação.
O ocidente, ou então podemos dizer a maioria esmagadora mundial, apóia alguma iniciativa contra a ditadura Kadafi, a qual dispensa maiores explicações sobre o que ela representa para a Líbia e por que não dizer para o mundo. Dessa forma a formação de uma coalizão para lutar contra o tirano é mais do que lógica. Existe nela então uma justificativa que se baseia num pensamento racional que se norteia pela democracia e pela manutenção da não-violência sob todos os aspectos.
Mas se armar e entrar no jogo demente da violência nos torna menos desprezíveis que qualquer ditador, mesmo que essa decisão seja sobre a égide da paz, ou nos iguala à mesma condição execrável? Ou então seria justificável a intervenção e a violência quando utilizada para fins pacíficos? Contradições à parte, fica difícil ser parcial diante de uma questão dessas.
Para aqueles que nasceram, por exemplo, no fundamentalismo e cresceram sob uma educação cega e fanática suas atitudes estão em perfeita normalidade, mesmo que nela se inclua em pegar em armas contra outras pessoas ou matar centenas que estão reunidas. Sob a certeza de que “o que se pensa é o correto” já vimos muitas histórias de violência e chacinas aonde aqueles que a executam têm a plena convicção de estarem fazendo o que é certo, seja pelo próprio bem - o que é mais frequente - seja pelo “bem comum”, tal como ocorreu nas Cruzadas, na Expansão Islâmica, nas ditaduras militares (incluindo a brasileira), no capitalismo, no socialismo, no nazifascismo ou em tantos outros “ismos” que desejam a qualquer preço impor sua doutrina e seu pensamento.
Trocando em miúdos, todas as excrescências, do ponto de vista daqueles que as estavam comandando, tinham razões e motivos plausíveis para terem acontecido. Se nos posicionarmos um pouco de cada lado veremos que cada qual defende a si próprio ou a sua ideologia; para aqueles que estão do lado do bem geral, prevalece o pensamento de que tudo é admissível para manter a ordem, a paz e a justiça para todos. No entanto ao olharmos a situação a partir do ponto de vista do outro o mesmo tem a certeza, dentro de sua concepção, de que o que ele está fazendo é o melhor, embora essa “melhoria” (se é que esse nome é devidamente aplicado nesse caso) represente a vida de muitas pessoas e a supressão de valores e condições mínimas de sobrevivência.
Resta lembrar que nesse fogo cruzado deve imperar o bom senso que diz que quando se realiza uma ação para a preservação da igualdade, da justiça e acima de tudo da vida é que se está fazendo o certo. Dentro dessa visão a conclusão que eu tiro é que numa situação que se faz nessas circunstancias e sob esses valores, assumo posição e fico do lado daqueles que se levantaram e se levantarão contra quem insiste em impor uma opinião contrária a essa, assim como fizeram o Terceiro Estado na Revolução Francesa, a esquerda armada brasileira, as invasões de terras do MST, as mães da Praça de Maio, os bolcheviques, os sandinistas e os rebeldes da Líbia, só para citar alguns exemplos.
Marcelo Augusto da Silva - 25/03/2011

Desespero entre narrativas paralelas

Há determinados tipos de filmes que parecem exercer um certo tipo de atração no expectador; falo isso por mim mesmo me baseando na maneira que seleciono meus títulos. Quando algum filme me chama a atenção, seja pela sinopse, direção ou algum outro fator, comumente ele tem alguma relação com outros que já assisti ou então algo parecido com eles, confirmando assim a minha preferência.
Já faz algum tempo que caí na trilha do gênero denominado por alguns de “filmes-corais”. E por mais que pareça estranho, acabei por selecionar involuntariamente vários filmes (se é que esse estilo guarde tantos trabalhos assim) dessa linha; o que acabou por chamar a atenção e me fez procurar conhecer outras obras do gênero. Trata-se de um tipo de trabalho em que a temática principal é uma situação extrema e agonizante, seja ela amorosa, familiar, social ou pessoal, vivida por vários personagens independentes um dos outros e que muitas vezes se situam num outro tempo, cuja narrativa sobre eles se faz de forma paralela uma da outra, mas que se aproximam por estarem passando pela situação limite comum. Não direcionado ao público que tem como predileção as tramas desenroladas com começo, meio e fim, esse estilo de filmagem é para aqueles que gostam de se sensibilizar, de buscar na arte cinematográfica um olhar sobre determinados contextos ou então algum entendimento sobre a conflitante relação humana.
O primeiro filme desse gênero que tive contato foi Magnólia, (Magnólia, EUA, 1999, Dir. Paul Thomas Anderson) um filme relativamente longo e que me prendeu demais a atenção, principalmente no momento próximo ao final em que acontece a famosa chuva de sapos dando um tom cartático à obra. Depois conheci – e não poderia deixar de mencioná-lo – o magnífico diretor Alejandro Gonzalez Iñarritu, que explorou esse estilo iniciando sua saga com o espetacular Amores Brutos de 1999, seguido por 21 gramas de 2003 e Babel de 2006. Recentemente o diretor lançou Biutiful que parece seguir a mesma grandeza dos filmes anteriores.
Há também Crash – No limite (Crash, EUA, 2004 – Dir. Paul Haggis) que surpreendentemente trouxe a hollywoodiana Sandra Bullock, num filme que, creio eu, veio de certa forma a “popularizar” o gênero e acabou conquistando muitos fãs. Em 2006 foi a vez de Medos Privados em Lugares Públicos (Coeurs, França, 2006 – Alain Resnais) que mais uma vez brilhou na exploração das amarguras e angústias humanas também sob esse modelo de narração.
O cinema nacional também tem a sua contribuição na lista dos “filmes-corais” com o admirável Insolação de 2009 dos diretores Felipe Hirsch e Daniela Thomas, os quais encararam muito bem essa espirituosa tarefa de falar sobre o íntimo das pessoas e de suas vivências numa cidade quente e abandonada, além de O Signo da Cidade de Carlos Alberto Riccelli, lançado em 2007, que lamentavelmente não foi muito próspero nessa realização pois deixou-se cair no vício da pieguice e do final feliz.
E confirmando o que havia afirmado inicialmente, resolvi nessa semana explorar um pouco do cinema oriental e aquele que me despertou interesse foi o sul-coreano Sad Movie, (Saedeu Mubi, Coréia do Su,2005l – Dir. Kwon Jong-kwan) o qual anteriormente nada sabia sobre ele, e verifiquei que o mesmo se enquadra nesse segmento. Decepcionante em determinado momento, pois me transmitiu a sensação de ser demasiadamente apelativo ao ser tão cruel em algumas cenas, mas nada que desmerecesse o trabalho nem a iniciativa da direção, a qual temos que considerar a sua origem num país onde o cinema não é algo que se dedique tanto.
Alguns desses filmes, principalmente as produções dos EUA, são achados facilmente em locadoras, outros já ficam mais restritos. De qualquer forma é uma oportunidade para quem deseja explorar a alma das pessoas, se sensibilizar ou refletir um pouco mais sobre nós mesmo e sobre as relações humanas.
Marcelo Augusto da Silva - 18/03/201

sábado, 12 de março de 2011

Ditadores apoiando ditaduras

Se as crises e revoltas no Oriente Médio e no norte da África são os assuntos do momento, elas por sua vez, não são acontecimentos contemporâneos nem muito menos passageiros.
Se formos lembrar o período em que a região sofreu com a expansão islâmica a partir do século VIII, já podemos apontar uma crise, uma vez que os árabes ao tomarem aquela região iniciaram um processo crítico ao impor - muitas vezes através da força bruta - sua religião e a sua cultura. A dominação islâmica deixa então um sério motivo para o desequilíbrio social, cultural e financeiro nos continentes africano e asiático
Se nessas áreas a presença árabe foi algo constante, na Europa ela não foi duradoura, pois no século XV o último reduto muçulmano foi expulso do continente, ficando nele somente uma interferência cultural, nada que desestruturasse a partir daí sua economia ou sua organização. Por outro lado os árabes continuaram a influenciar somente a África e a Ásia, como se pode notar atualmente através de países de forte ou total predominância islâmica aonde muitos possuem forte atuação de radicais islâmicos, que a todo momento apresentam alguma ameaça.
Livres do expansionismo muçulmano, mas vivendo a sua interferência, o século XVIII encerra a sua segunda metade com mais uma lástima para os povos desses dois continentes, dessa vez com a Europa invadindo e dominando-os para extrair tudo o que ela necessitava para expandir a sua industrialização. Novamente sem se importar com questões locais ou éticas os territórios foram divididos entre as potências econômicas européias do momento, acirrando ainda mais as rivalidades internas e dando a oportunidade futura de autoridades ditatoriais locais ascenderem ao poder.
Terminada a Primeira Guerra Mundial o contexto global já não mais possibilitava o domínio de um país sobre o outro, ao menos oficialmente como era até a segunda metade do século XX o que leva a Europa a abandonar a África e a Ásia – em alguns casos através de conflitos armados – embora ela não realiza a descolonização sem deixar seu interesse nos dois continentes.
No entanto, temos na década de 40 o inicio da Guerra Fria e a procura por maior área de influência econômica e ideológica por parte dos EUA e URSS e maior interesse ainda por um recurso abundante, de vital importância para o desenvolvimento e de enorme valor comercial: o petróleo. Se de um lado o fundamentalismo islâmico pode parecer uma ameaça ao ocidente, diferente agora da expansão islâmica, governos de países africanos ou do Oriente Médio com essa postura podem ser grandes colaboradores para dizimar a população local, para se apossar das reservas e fornecer o ouro negro àqueles que dele necessitam, que no caso continuam sendo os países da Europa (ao menos na primeira metade do século XX) e posteriormente a outros que dominam o cenário econômico mundial.
Nem sempre se pode atribuir a um ditador o caos instalado num país, é necessário avaliar a contribuição de outros num processo que resultou nas tiranias que vemos hoje serem abaladas. No caso em que assistimos atualmente o ocidente teve muito a contribuir com esse procedimento.
Para tornar as revoltas ainda mais significativas seria a vez de se pressionar os velhos culpados a assumirem sua parcela de responsabilidade pela desestabilização na região e se cobrar deles uma contribuição real e efetiva, longe de interesses ou troca de favores.
Marcelo Augusto da Silva - 03/03/2011

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O melhor do cinema latino-americano

Há algumas semanas resolvi investigar sobre o que está sendo produzido no cinema latino-americano. Pesquisei muitos filmes antes de selecionar alguns para assistir, e através dessa amostragem puder sentir como estão nossos vizinhos em relação à arte cinematográfica.
O interessante dessa pesquisa foi a constatação de que os filmes que mais chamaram a minha atenção foram os argentinos, o que não parece ser nenhuma novidade, pois há algum tempo o cinema desse país já tem ganhado notoriedade. Dessa forma decidi conferir o trabalho da argentina Lucrécia Martel que em seus dois primeiros filmes impressiona com a qualidade e a competência de sua direção. No seu primeiro longa, “O Pântano” (La Ciénaga, Argentina, 2001) pouco audacioso, porém inteligente, explora através de metáforas e simbolismo o lado lodoso e degenerativo do ser humano, contado por meio de uma direção solta aonde a vida dos personagens vai rolando diante da câmera e envolvendo o espectador. Provocativo, ele expõe o ponto em que cada pessoa pode chegar quando se deixa envolver por problemas externos. Alcoolismo, traição, desejo, frustrações, inveja e abandono são vistos a todo tempo nessa trama.
Seu segundo trabalho, "A Menina Santa" (La Niña Santa, Argentina, 2004) a diretora se arrisca a tratar de uma forma direta sobre dois assuntos polêmicos e não corriqueiros que são a religiosidade e a sexualidade. A trama retrata um período da vida de uma adolescente que tem que lutar dentro de si mesma com uma vocação religiosa que lhe é manipulada e incutida por uma educação cega e o desejo por um médico que a molesta.
Há também outro argentino, "Chuva" (Lluvia, Argentina,2008) da diretora Paula Hernández que igualmente existencialista como os filmes citados acima, e de uma forma densa, explora o âmago das relações humanas ao mostrar o encontro entre um espanhol que vem à Argentina para o enterro do pai que ele não conhecia e uma mulher que há dias mora no seu carro para fugir do marido, o qual ela não o reconhece mais como alguém íntimo.
E finalizando essa sessão latina pude apreciar uma produção colombiana do diretor Carlos Manuel, ”Cão come cão”, (Pierro come Pierro, Colômbia, 2008) filme de excelente direção que retrata bem as relações criminosas existentes naquele país. Em uma primeira observação a produção poderia, aparentemente, não trazer nenhuma novidade em seu conteúdo, no entanto, o que na verdade se vê na tela é a dura realidade de um país, que apesar de sua proximidade territorial com o Brasil, é pouco conhecido por nós. Rodado num tom de sépia e com uma retratação fiel ao submundo do crime organizado, ele transmite o que realmente ocorre em países subdesenvolvidos, como impunidade, pobreza, corrupção, ineficiência das autoridades, entre outros problemas sociais.
De qualquer maneira o resultado dessa aventura cinematográfica mostrou que há muita qualidade no cinema latino-americano. Assim como os brasileiros possuem um cinema de alto nível no qual há profundidade e exploração de questões não superficiais e mundanas – o que é consenso no cinema alienante dos estadunidenses - os nossos hermanos são tão capazes e qualificados como quaisquer outros produtores e diretores. Vale a pena garimpar a disponibilidade desses filmes para a locação e apreciar o que temos de melhor ao nosso redor.

Marcelo Augusto da Silva - 24/02/2011

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O Egito em destaque

É sempre fascinante falar ou ouvir algo sobre o Egito. Formadores de uma das primeiras civilizações da História, os egípcios se desenvolveram às margens do grandioso Rio Nilo, onde aproveitaram suas águas, que transbordavam periodicamente, para fertilizar o solo e desenvolver assim a agricultura.
Além disso, foram pioneiros em muitos setores como por exemplo na medicina, que no desenvolver da técnica da mumificação se aprofundaram na anatomia humana; foram responsáveis por construções de dimensões extraordinárias como as pirâmides que até hoje despertam a curiosidade em muitos e semeiam explicações das mais variadas para entender a capacidade de erguer tais obras; foram igualmente magníficos ao desenvolverem um Estado centralizado para controlar a crescente população, a produção agrícola e as construções de diques e canais de irrigação necessários no aproveitamento das águas do Nilo.
Porém não foram tão perfeitos em tudo que fizeram; assim como acontece com qualquer outro povo os vícios e os erros também acometeram os egípcios. Sua sociedade era estratificada, ou seja, rigorosamente dividida em camadas que colocava outras em níveis subjugados, sem a possibilidade de mudança social. Também invadiram e dominaram outros povos em guerras deploráveis e escravizaram outros tantos; seu Estado forte tornou-se autoritário suficiente para suprimir a vontade da população e se tornar perpétuo e tirano em algumas fases.
Nos últimos dias o Egito volta a ser evidência novamente, dessa vez nos dando um ensinamento ao mostrar ao mundo milhares de pessoas tomando a praça pública e exigindo a renúncia de um governo que havia se instalado há três décadas no país, governo que lembra a teocracia da antiguidade egípcia – forma de governo em que o representante é chefe político e religioso ao mesmo tempo, sendo considerando um representante divino na Terra.
A manifestação pública forçou a queda do ditador, porém não garantiu a democracia no país, palavra pouco conhecida e consequentemente um sistema político pouco usado em países de tradição islâmica assim como é o Egito. A expectativa atual é não ver o exército, que ocupa o governo provisoriamente, se manter nele durante anos e instalar uma nova ditadura.
O ideal é ver construído no Egito um governo que respeite as liberdades e as diferenças, que mantenha em todos os seus níveis a democracia e que acate principalmente o princípio das eleições livres e periódicas. No entanto num país em que prevalece a tradição religiosa esses ideais parecem serem utópicos no momento.

Marcelo Augusto da Silva - 17/02/2011