quinta-feira, 31 de março de 2011

“Chernobyl não foi suficiente”

No final da década de 1980 lembro que eu ouvia Os Replicantes, banda gaúcha de punk-rock, cantar a música “Chernobyl” a qual fazia uma dura crítica ao uso da energia nuclear, inclusive no Brasil, se apoiando e se inspirando no acidente ocorrido numa usina da extinta URSS. De acordo com determinadas publicações que tive acesso nessa semana, algumas falam em números significativos de vítimas nesse acidente, outras já afirmam que essa soma é hoje relativamente pequena uma vez que ela foi maquiada no seu acontecimento para servir de crítica ao socialismo soviético. Deixando as desavenças ideológicas de lado, o Japão volta a por o assunto em pauta novamente, sem deixar de esquecer Chernobyl ou outras usinas que passaram pela mesma situação. Mas o que chama a atenção é que nesses longos anos de debate sobre o uso ou não da energia nuclear nada de eficaz ou de prático foi feito para que se opte por outras formas de geração energética. Os japoneses, vítimas de um desastre nuclear no final da Segunda Guerra, e que por isso deveriam ser os pioneiros em adotar fontes de energia alternativas, são os que estão à frente no uso nuclear. Os quase 160 mil mortos provocados pela explosão das bombas de Hiroshima e Nagasaki não interferiu na escolha do Japão. Agora em meio à discussão do uso pacífico da energia nuclear - se é que se pode usar o termo paz na utilização de uma energia que apresenta um alto risco de acidente e contaminação - fica a pergunta: “por que não investir em outra forma de geração de energia”? É claro que há interesses dos mais variados no uso da fissão nuclear, não só de governos, mas também de empresas e pessoas. Basta olhar para o caso do Brasil, que na época da ditadura iniciou a construção das usinas de Angra, investindo um valor altíssimo, sendo que a oferta de energia gerada por elas chega a ser insignificante. Olhando para o nosso umbigo, num país das proporções territoriais como o Brasil e da disponibilidade de recursos naturais que ele possui, não há justificativas para o uso de energia proveniente dos átomos nem das hidrelétricas, que não provocam acidentes, mas causam um impacto ambiental e social enorme. Pude constatar que na Europa muito se investe na exploração da energia eólica e solar, enquanto aqui com a vastidão do nosso litoral e do sol que na maior parte do ano está irradiando com toda a intensidade, há raríssimos locais que utilizam essa solução. Sem falar que nosso país está deixando de investir na diversidade agrícola para se dedicar ao plantio da cana para a produção do etanol enquanto pagamos um alto preço pelo combustível, aonde em muitos casos é de má qualidade. Lembro que na ocasião da visita do ex-presidente Bush ao Brasil escrevi nesse periódico sobre as suas intenções de se aproximar do governo brasileiro para que esse incentivasse a plantação da cana para a produção de etanol para exportação; nesse final de semana li que nesse momento é o Brasil que vai importar o álcool dos EUA num preço obviamente alto. Se um dos maiores produtores de cana do mundo está importando combustível e aumentando a proporção de água na gasolina, como também foi divulgado na imprensa nesse último final de semana, fica claro que há jogo de interesses e troca de favores, cuja conta é paga por nós cidadãos. Se as desculpas para a não exploração de fontes de energia renováveis e limpas é o seu alto custo, fico pensando então se as outras formas apresentam então um valor extremamente compensador para que justifique o seu uso. Uma usina nuclear ou hidrelétrica, que certamente não apresentam um custo baixo comparadas às outras, se reprovam ao apontar tantos pontos negativos que vão dos impactos ambientais aos riscos de acidentes. No mundo moderno em que vivemos a energia é cada vez mais indispensável. No passado vivíamos as guerras por razões territoriais ou étnicas. Hoje vivemos uma guerra oculta e silenciosa por grandes corporações e empresas que disputam o domínio da economia mundial, e nesse caso o setor energético é motivo para essa briga. O debate ético e responsável por procura de meios alternativos, saudáveis e sensatos no uso da energia, pelo que se mostra, vai continuar na roda de alguns poucos, como os intelectuais, os artistas e entre alguns poucos que se preocupam com o bem geral, mas falam sozinhos.


Marcelo Augusto da Silva - 31/03/2011

quinta-feira, 24 de março de 2011

Até quando intervir?

A luta dos rebeldes na Líbia contra Kadafi e a dúvida dos países do ocidente e da ONU de intervirem no país contra o governo me fez repensar sobre esse assunto, resgatando um velho dilema e uma grande indagação.
O ocidente, ou então podemos dizer a maioria esmagadora mundial, apóia alguma iniciativa contra a ditadura Kadafi, a qual dispensa maiores explicações sobre o que ela representa para a Líbia e por que não dizer para o mundo. Dessa forma a formação de uma coalizão para lutar contra o tirano é mais do que lógica. Existe nela então uma justificativa que se baseia num pensamento racional que se norteia pela democracia e pela manutenção da não-violência sob todos os aspectos.
Mas se armar e entrar no jogo demente da violência nos torna menos desprezíveis que qualquer ditador, mesmo que essa decisão seja sobre a égide da paz, ou nos iguala à mesma condição execrável? Ou então seria justificável a intervenção e a violência quando utilizada para fins pacíficos? Contradições à parte, fica difícil ser parcial diante de uma questão dessas.
Para aqueles que nasceram, por exemplo, no fundamentalismo e cresceram sob uma educação cega e fanática suas atitudes estão em perfeita normalidade, mesmo que nela se inclua em pegar em armas contra outras pessoas ou matar centenas que estão reunidas. Sob a certeza de que “o que se pensa é o correto” já vimos muitas histórias de violência e chacinas aonde aqueles que a executam têm a plena convicção de estarem fazendo o que é certo, seja pelo próprio bem - o que é mais frequente - seja pelo “bem comum”, tal como ocorreu nas Cruzadas, na Expansão Islâmica, nas ditaduras militares (incluindo a brasileira), no capitalismo, no socialismo, no nazifascismo ou em tantos outros “ismos” que desejam a qualquer preço impor sua doutrina e seu pensamento.
Trocando em miúdos, todas as excrescências, do ponto de vista daqueles que as estavam comandando, tinham razões e motivos plausíveis para terem acontecido. Se nos posicionarmos um pouco de cada lado veremos que cada qual defende a si próprio ou a sua ideologia; para aqueles que estão do lado do bem geral, prevalece o pensamento de que tudo é admissível para manter a ordem, a paz e a justiça para todos. No entanto ao olharmos a situação a partir do ponto de vista do outro o mesmo tem a certeza, dentro de sua concepção, de que o que ele está fazendo é o melhor, embora essa “melhoria” (se é que esse nome é devidamente aplicado nesse caso) represente a vida de muitas pessoas e a supressão de valores e condições mínimas de sobrevivência.
Resta lembrar que nesse fogo cruzado deve imperar o bom senso que diz que quando se realiza uma ação para a preservação da igualdade, da justiça e acima de tudo da vida é que se está fazendo o certo. Dentro dessa visão a conclusão que eu tiro é que numa situação que se faz nessas circunstancias e sob esses valores, assumo posição e fico do lado daqueles que se levantaram e se levantarão contra quem insiste em impor uma opinião contrária a essa, assim como fizeram o Terceiro Estado na Revolução Francesa, a esquerda armada brasileira, as invasões de terras do MST, as mães da Praça de Maio, os bolcheviques, os sandinistas e os rebeldes da Líbia, só para citar alguns exemplos.
Marcelo Augusto da Silva - 25/03/2011

Desespero entre narrativas paralelas

Há determinados tipos de filmes que parecem exercer um certo tipo de atração no expectador; falo isso por mim mesmo me baseando na maneira que seleciono meus títulos. Quando algum filme me chama a atenção, seja pela sinopse, direção ou algum outro fator, comumente ele tem alguma relação com outros que já assisti ou então algo parecido com eles, confirmando assim a minha preferência.
Já faz algum tempo que caí na trilha do gênero denominado por alguns de “filmes-corais”. E por mais que pareça estranho, acabei por selecionar involuntariamente vários filmes (se é que esse estilo guarde tantos trabalhos assim) dessa linha; o que acabou por chamar a atenção e me fez procurar conhecer outras obras do gênero. Trata-se de um tipo de trabalho em que a temática principal é uma situação extrema e agonizante, seja ela amorosa, familiar, social ou pessoal, vivida por vários personagens independentes um dos outros e que muitas vezes se situam num outro tempo, cuja narrativa sobre eles se faz de forma paralela uma da outra, mas que se aproximam por estarem passando pela situação limite comum. Não direcionado ao público que tem como predileção as tramas desenroladas com começo, meio e fim, esse estilo de filmagem é para aqueles que gostam de se sensibilizar, de buscar na arte cinematográfica um olhar sobre determinados contextos ou então algum entendimento sobre a conflitante relação humana.
O primeiro filme desse gênero que tive contato foi Magnólia, (Magnólia, EUA, 1999, Dir. Paul Thomas Anderson) um filme relativamente longo e que me prendeu demais a atenção, principalmente no momento próximo ao final em que acontece a famosa chuva de sapos dando um tom cartático à obra. Depois conheci – e não poderia deixar de mencioná-lo – o magnífico diretor Alejandro Gonzalez Iñarritu, que explorou esse estilo iniciando sua saga com o espetacular Amores Brutos de 1999, seguido por 21 gramas de 2003 e Babel de 2006. Recentemente o diretor lançou Biutiful que parece seguir a mesma grandeza dos filmes anteriores.
Há também Crash – No limite (Crash, EUA, 2004 – Dir. Paul Haggis) que surpreendentemente trouxe a hollywoodiana Sandra Bullock, num filme que, creio eu, veio de certa forma a “popularizar” o gênero e acabou conquistando muitos fãs. Em 2006 foi a vez de Medos Privados em Lugares Públicos (Coeurs, França, 2006 – Alain Resnais) que mais uma vez brilhou na exploração das amarguras e angústias humanas também sob esse modelo de narração.
O cinema nacional também tem a sua contribuição na lista dos “filmes-corais” com o admirável Insolação de 2009 dos diretores Felipe Hirsch e Daniela Thomas, os quais encararam muito bem essa espirituosa tarefa de falar sobre o íntimo das pessoas e de suas vivências numa cidade quente e abandonada, além de O Signo da Cidade de Carlos Alberto Riccelli, lançado em 2007, que lamentavelmente não foi muito próspero nessa realização pois deixou-se cair no vício da pieguice e do final feliz.
E confirmando o que havia afirmado inicialmente, resolvi nessa semana explorar um pouco do cinema oriental e aquele que me despertou interesse foi o sul-coreano Sad Movie, (Saedeu Mubi, Coréia do Su,2005l – Dir. Kwon Jong-kwan) o qual anteriormente nada sabia sobre ele, e verifiquei que o mesmo se enquadra nesse segmento. Decepcionante em determinado momento, pois me transmitiu a sensação de ser demasiadamente apelativo ao ser tão cruel em algumas cenas, mas nada que desmerecesse o trabalho nem a iniciativa da direção, a qual temos que considerar a sua origem num país onde o cinema não é algo que se dedique tanto.
Alguns desses filmes, principalmente as produções dos EUA, são achados facilmente em locadoras, outros já ficam mais restritos. De qualquer forma é uma oportunidade para quem deseja explorar a alma das pessoas, se sensibilizar ou refletir um pouco mais sobre nós mesmo e sobre as relações humanas.
Marcelo Augusto da Silva - 18/03/201

sábado, 12 de março de 2011

Ditadores apoiando ditaduras

Se as crises e revoltas no Oriente Médio e no norte da África são os assuntos do momento, elas por sua vez, não são acontecimentos contemporâneos nem muito menos passageiros.
Se formos lembrar o período em que a região sofreu com a expansão islâmica a partir do século VIII, já podemos apontar uma crise, uma vez que os árabes ao tomarem aquela região iniciaram um processo crítico ao impor - muitas vezes através da força bruta - sua religião e a sua cultura. A dominação islâmica deixa então um sério motivo para o desequilíbrio social, cultural e financeiro nos continentes africano e asiático
Se nessas áreas a presença árabe foi algo constante, na Europa ela não foi duradoura, pois no século XV o último reduto muçulmano foi expulso do continente, ficando nele somente uma interferência cultural, nada que desestruturasse a partir daí sua economia ou sua organização. Por outro lado os árabes continuaram a influenciar somente a África e a Ásia, como se pode notar atualmente através de países de forte ou total predominância islâmica aonde muitos possuem forte atuação de radicais islâmicos, que a todo momento apresentam alguma ameaça.
Livres do expansionismo muçulmano, mas vivendo a sua interferência, o século XVIII encerra a sua segunda metade com mais uma lástima para os povos desses dois continentes, dessa vez com a Europa invadindo e dominando-os para extrair tudo o que ela necessitava para expandir a sua industrialização. Novamente sem se importar com questões locais ou éticas os territórios foram divididos entre as potências econômicas européias do momento, acirrando ainda mais as rivalidades internas e dando a oportunidade futura de autoridades ditatoriais locais ascenderem ao poder.
Terminada a Primeira Guerra Mundial o contexto global já não mais possibilitava o domínio de um país sobre o outro, ao menos oficialmente como era até a segunda metade do século XX o que leva a Europa a abandonar a África e a Ásia – em alguns casos através de conflitos armados – embora ela não realiza a descolonização sem deixar seu interesse nos dois continentes.
No entanto, temos na década de 40 o inicio da Guerra Fria e a procura por maior área de influência econômica e ideológica por parte dos EUA e URSS e maior interesse ainda por um recurso abundante, de vital importância para o desenvolvimento e de enorme valor comercial: o petróleo. Se de um lado o fundamentalismo islâmico pode parecer uma ameaça ao ocidente, diferente agora da expansão islâmica, governos de países africanos ou do Oriente Médio com essa postura podem ser grandes colaboradores para dizimar a população local, para se apossar das reservas e fornecer o ouro negro àqueles que dele necessitam, que no caso continuam sendo os países da Europa (ao menos na primeira metade do século XX) e posteriormente a outros que dominam o cenário econômico mundial.
Nem sempre se pode atribuir a um ditador o caos instalado num país, é necessário avaliar a contribuição de outros num processo que resultou nas tiranias que vemos hoje serem abaladas. No caso em que assistimos atualmente o ocidente teve muito a contribuir com esse procedimento.
Para tornar as revoltas ainda mais significativas seria a vez de se pressionar os velhos culpados a assumirem sua parcela de responsabilidade pela desestabilização na região e se cobrar deles uma contribuição real e efetiva, longe de interesses ou troca de favores.
Marcelo Augusto da Silva - 03/03/2011