domingo, 31 de julho de 2011

Arquitetua da destruição

“O destruidor não pode mais destruir porque o construtor não constrói
O construtor não constrói porque não pode mais construir"
A face do destruidor – Arnaldo Antunes / Paulo Miklos

São José do Rio Pardo, município comandado por uma oligarquia secular e decadente, tenta se classificar como uma cidade turística e histórica, o que não deixa de ser plausível, se não fosse a falta de cultura de muitos, a mediocridade e a valorização da estética pela nossa sociedade, além dos interesses particulares de alguns.
O que vemos é nossa história cair ao chão juntamente com as construções, que num ritmo alucinante, estão dando lugar a prédios quadrados,com uma arquitetura de mau gosto, que servem para os famosos “cômodos para alugar”. A existência desse pensamento destruidor se justifica em razão de um “progresso”, que na mente retrógrada de alguns, acontece somente se passar literalmente por cima de tudo, sem questionar ou respeitar se aquilo que existi outrora representava algo para alguém ou para alguns.
O passado glorioso de São José do Rio Pardo, importante no período cafeicultor brasileiro, já não pode ser mais contado através das construções, sejam elas comerciais ou residenciais. Hoje temos o seu centro, e também boa parte das imediações, totalmente destruído e descaracterizado pela especulação imobiliária. O coração da cidade cada vez se encontra mais inchado pelo trânsito decorrente do comércio que se concentra , preferencialmente, nas ruas centrais.
A falta de iniciativa das autoridades, de um órgão fiscalizador sério e independente, os interesses pessoais e grupais e o descaso da comunidade que pouco se importa com quem somos, torna a destruição cada vez mais presente em nossa cidade, deixando-a desfigurada e sem característica própria.



Marcelo Augusto da Silva - 31/07/11

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Eu num quilombo

Nessas férias de julho resolvi conhecer um pouco mais do Rio de Janeiro. Além de ir até a bela e famosa capital, fui até Conservatória, um distrito de Valença, no vale do café, conhecida como sendo a “cidade das serestas e serenatas”.
Maior do que a expectativa em conhecer uma cidade histórica, riquíssima em cultura musical, era a minha curiosidade em poder visitar um quilombo e seus remanescentes que ainda vivem nesse local.
Pela internet tive acesso à informação que o quilombo era um dos locais de visitação do pequeno distrito, o que me deixou a vontade e ansioso para conhecê-lo. No caminho até ele a paisagem era surpreendente, formada por montanhas e cores que deixam os turistas fascinados pelo lugar; além de que no próprio trajeto há construções, como a ponte dos arcos e o túnel do capoeirão, originários da época do Brasil colonial, feito pelos antigos escravos.
Com facilidade de acesso até certo ponto, devido à sinalização em vários pontos da estrada que indicavam sua localização, em determinado momento a chegada pareceu incerta, pois não havia mais nenhuma informação sobre o seu local. Foi quando avistei um homem negro, por volta dos quarenta anos, montado em um cavalo e acompanhado de um cão, que informou cordialmente que o quilombo estava um pouco mais a frente, bastando apenas abrir uma porteira para adentrar em seu território.
Logo o receio de abrir uma porteira e entrar num terreno alheio foi vencido pela lembrança da segurança que o senhor à cavalo me transmitiu na sua informação. Mais uns poucos metros adiante estava eu empunhando minha câmera fotográfica adentrando um recinto que muito parecia em ser o tal quilombo, mas que ainda deixava uma pontinha de dúvida em se tratar dele mesmo, por conter construções bem parecidas com as nossas, que se encontravam revestidas por ornamentos que lembravam ter enfeitado uma festa que acontecera a pouco tempo.
Mais a frente e em outros locais mais distantes, porém todos cercados por bananeiras, avistei algumas casas de taipa, cobertas de capim, bem típica de uma construção feita por alguém que só disponibiliza desse tipo de material para sua edificação. No entanto a dúvida que eu estava no quilombo ou não permanecia, juntamente com minha ânsia de poder ter contato com pessoas cujos antecedentes fizeram parte de um grupo que desafiou um sistema opressor e lutou para reconquistar a sua liberdade.
Ouvi algumas vozes, e logo depois vi uma família saindo de uma das casas de taipa, protegida por uma cerca de bambu e rodeada por canteiros que visivelmente não estavam produzindo alimentos numa quantidade satisfatória. Timidamente perguntei se ali era o quilombo e tive uma resposta curta e não muito cordial.
Senti uma espécie de rejeição daquela família em relação a minha presença em seu território, na sua habitação que há tantas custas fora conquistada. Algo do nosso Brasil escravocrata ainda permanecia naquele local, na mente daquelas pessoas. Queria me aproximar delas, saber um pouco mais de suas vidas, do passado de cada uma e da sua comunidade, queria saber dos anseios de cada um e o que os jovens pensam do futuro. Algo dentro de mim também me travou, não consegui me aproximar, talvez por estar tendo um sentimento de não ser bem recebido por eles, ou então por eu imaginar que eles poderiam estar pensando que a minha visita não era num tom de amizade, mas sim de uma mera e tola curiosidade.
Saí com um sentimento misto de frustração e melancolia. Tinha a intenção de ter um contato maior, que pudesse me acrescentar um conhecimento maior e que pudesse quebrar barreiras.
No entanto compreendi o que havia dentro daquelas pessoas e o que elas pensaram sobre a minha presença ali, sendo que em nenhum momento as julguei por isso.
A minha confirmação foi que o Brasil ainda tem muito preconceito a vencer, tem muitas mágoas a serem apagadas; sentimentos que decorridos mais de um século ainda não foram superados.



Marcelo Augusto da Silva - 18/07/2011