domingo, 31 de março de 2013

Profundidades e sutilezas de Michael Haneke


(Cuidado! Este artigo, dependendo do ponto de vista, pode conter Spoiler[1])

            Assistir ao cinema europeu já é uma experiência única, pois, de acordo com o estilo característico de suas produções, sua apreciação tem a singular capacidade de transportar o telespectador ao universo emocional de cada personagem, ou em alguns casos, à situação coletiva vivida por alguns grupos ou povos. À primeira vista, o estilo europeu pode ser entendido de uma forma em que a sua realização é feita de uma forma simplista, pois uma das marcas desse cinema é ser realizado, geralmente, com cenas longas e com pouco diálogo; mas no fundo o que elas trazem consigo é um requinte ao conseguir transmitir sensações relativas a sentimentalismo e emoções basicamente a partir de imagens.
            Colocando a tietagem do Oscar de lado, assisti ao filme Amor, vencedor da Palma de Ouro e do Globo de Ouro, do austríaco Michael Haneke, diretor genial conhecido por obras-primas como Caché de 2005; A professora de piano de 2001 e A fita branca de 2009.
O diretor austríaco Michael Haneke
         A habilidade de demonstrar sensações e situações com o máximo de realismo é uma das competências do diretor. Com um tom narrativo solto, o filme Amor, vai apresentando os personagens e evoluindo na trama ao mesmo tempo, dando a clara noção ao telespectador de cada circunstância e período retratado. Com um enredo aparentemente ingênuo, o qual se transformaria numa pieguice nas mãos de qualquer outro diretor, principalmente os hollywoodianos, o filme narra a relação cúmplice e amorosa de um casal octogenário que enfrenta a delicada e difícil fase de saúde e todos os outros problemas decorrentes dela. Filmado em um só ambiente, o que em nenhum momento contribui para a monotonia, Haneke consegue revelar toda a dificuldade, incerteza, sofrimento e solidão inerente àquele que viveu unido a alguém durante toda uma vida e que num determinado momento tem que lidar com uma realidade dramática de ver seu companheiro vítima de uma doença a qual está os afastando.
Pôster do filme Amor de 2012
     A experiência e o autoconhecimento, o qual se conquista ao longo de uma vida, e que de certa forma deveriam ser plenos na idade avançada dos personagens, não foram suficientes para que eles enfrentassem tal situação. Talvez seja esse o grande debate que o diretor sugere: depois de toda uma vivência e uma experiência acumulada, se deparar com uma situação a qual não tem condições de enfrentá-la.
            Com ou sem Oscar, a obra e o diretor são únicos, ambos têm a capacidade de levar o telespectador à reflexão, e porque não dizer à uma auto avaliação, sobre aquilo que as pessoas representam para nós e sobre aquilo que representamos para as outras pessoas. Para os admiradores dessa temática e do cinema europeu, Amor é filmografia básica.







[1] Spoiler é um trecho de artigo que revela fatos a respeito do conteúdo de determinado livro, filme, série ou jogo. O termo de origem inglesa é derivado do verbo “To Spoil”, que significa estragar. Numa tradução livre, spoiler faz referência ao famoso termo “estraga-prazeres”.

sábado, 23 de março de 2013

A recuperação da indústria fonográfica?


“A pirataria move o mundo da música”

Roberta Forster


            Semanas atrás foi divulgada na imprensa escrita uma notícia sobre a recuperação econômica da indústria fonográfica no ano de 2012. Um crescimento pequeno, apenas 0,3%, mas que foi bem recebido pelo setor, o qual foi muito prejudicado nos últimos anos pela pirataria.
            Com o advento da internet banda larga e a popularização da tecnologia, houve uma mudança drástica no acesso às músicas, o que levou a indústria fonográfica a enfrentar uma crise. Os downloads, sejam eles feitos em sites, blogs ou em programas específicos como o Ares e Torrent, bem como a facilidade de troca de arquivos feito pelo recurso Bluetooth entre os usuários de aparelhos portáteis, decretaram o fim das vendas dos CDs.  Aquele que hoje deseja ouvir uma música basta apenas dar um clique para que haja uma reprodução instantânea.
            A referida notícia afirma que os responsáveis por esses números foram o aumento nas vendas digitais e a expansão de mercados como o da Índia e do Brasil. A divulgação desse resultado e a sua justificativa significa, na realidade, que a era digital que destruiu o mercado musical há alguns anos, paradoxalmente, hoje é responsável pela sua recuperação, através da popularização do uso de smartphones, tablets e similares, os quais deram a oportunidade dos consumidores terem um acesso maior a seus artistas, além de que, o próprio serviço na nuvem[1] também amplia possibilidades para quem quer consumir música na internet. De acordo com a reportagem, “o serviço na nuvem dá um acesso contínuo às bibliotecas de música, geram confiança no arquivo disponibilizado e colocam o consumidor dentro do mercado legal, livrando-o da culpa da pirataria”.
            O argumento dos artistas contra a pirataria é que a sua única forma de sobrevivência financeira é a venda de seu trabalho (na época através dos CDs), a qual foi tirada pela pirataria. No entanto, essa afirmação merece considerações e reflexões sobre a venda legal de obras e a ilegalidade dos downloads. Deve-se entender, que dentro do sistema capitalista, o dinheiro é necessário, porém o que observávamos no período da venda de CDs era uma exploração feita por empresários, gravadoras e artistas gananciosos, que viam esse mercado somente como uma alta fonte de renda, cobrando assim um valor acima do normal pela venda de suas obras, impedindo que muitos tivessem momentos de prazer ao ouvir uma música, tornando os grupos privilegiados economicamente, também privilegiados por terem um acesso, praticamente restrito, à cultura. É relevante destacar também que cultura não é mercadoria, e sendo assim não poderia em hipótese alguma servir como meio de enriquecimento e privilégio.
Essa notícia também abre um espaço para o debate sobre a possibilidade da venda do arquivo musical trazer o fim da pirataria e a recuperação da indústria fonográfica. Diante dessa questão penso que, de acordo com a situação que vivenciamos, uma retomada seria duvidosa, pois a aquisição de arquivos musicais por downloads (em todos os meios citados acima) já é uma prática institucionalizada, principalmente pela geração atual, a qual nasceu em meio a tecnologia, além de que não há como barrar o avanço tecnológico e seus efeitos, como a facilidade e a comodidade que ele trouxe ao hábito de ouvir música, sem querer entrar aqui na questão da legalidade. Essa afirmação tem veracidade na observação do fato de que não há como a indústria fonográfica recuperar seus índices de vendas do passado, pois mesmo que alguns comprem o arquivo legalmente, ele será rapidamente transferido e espalhado devido à abrangência tecnológica. 
Vejo que, de certa forma, a tecnologia trouxe benefícios nessa questão, pois levou a indústria fonográfica a repensar e a tentar reverter a exploração na venda de obras musicais, além de que ninguém fica privado de ouvir suas músicas devido à falta de dinheiro. Por outro lado, a facilidade ao acesso às músicas não gerou uma valorização a elas, nem uma apreciação mais apurada, pois o ato de baixar uma música com a mesma facilidade de excluí-la, tornou-as fugazes e voláteis, comportamento que não existia na fase dos vinis, cassetes e até mesmo dos CDs, onde a dificuldade de acesso levava a um zelo e a uma atenção maior por parte do consumidor às mídias e às obras. 



[1] Serviço na nuvem ou cloud service, é uma maneira de hospedar sites, aplicativos, documentos e programas na web, em um espaço intangível, ou seja, os arquivos ficam armazenados e disponíveis fora do computador (ou similar) do usuário, podendo ser acessado de qualquer local a qualquer momento.

quinta-feira, 14 de março de 2013

O que comemorar no dia 19 de março?


Esse mês nossa cidade completa mais um ano de vida, no entanto, mantém uma feição de quem ainda não cresceu; entrou no século XXI e preservou o mesmo aspecto imperial que tinha no momento de sua fundação. Conservamos ainda o separatismo, o elitismo e a preocupação individual ou familiar que havia naqueles anos da segunda metade do século XIX que inauguraram nossa existência.
Ao repensarmos sobre mais um ano completado, já vem a ideia de que se nesse período São José apresentou algum crescimento. Mas crescimento por aqui só vemos em algumas ruas do centro, o qual acontece sobre o custo da demolição das antigas casas que contavam nossa história, as quais rapidamente dão espaço para prédios vitrificados e de ângulos retos, feitos de maneira industrial, destinado ao aluguel para o comércio e afins. Quanto ao trânsito gerado por essa concentração comercial central, ainda não foi feito nada de eficiente; o terminal de ônibus urbano, por exemplo, continua esperando soluções, e o usuário desse transporte coletivo também.
A nossa política andou emperrada nos quatro últimos anos com uma fraca administração que não trouxe nenhuma mudança significativa para o município, marcando assim um período de retrocesso, uma vez que daqui em diante há necessidade de tempo e velocidade para recuperar o que uma gestão deixou de fazer. Seu resultado foi uma eleição marcada por uma fragmentação política carregada de tramoias, denúncias e arranjos políticos que terminou com um resultado vexatório, o qual diplomou um prefeito que não teve a maioria dos votos e que não representou em hipótese alguma um pleito justo.
No entanto, dentre muitos tropeço, tivemos resultados positivos, como a obra de tratamento de esgoto que certamente trará qualidade de vida e desenvolvimento econômico com a instalação de empresas. Contamos com que sua conclusão aconteça no prazo previsto.
Quanto à educação superior continuamos a esperar a vinda de uma instituição federal que venha a suprir a carência nessa área, dando oportunidade aos jovens realizarem seus estudos sem ter que investir uma considerável quantia - a qual na maioria das vezes não é compatível com a renda per capita do município - e que também venha a dar estímulo a eles a ficarem na cidade sem ter que ir buscar oportunidade de formação e atuação profissional em outros municípios. Lembremos ainda que a nossa FEUC, responsável pela vinda de tantos estudantes da região e pela formação profissional de muitos, a qual aguarda transferência para o sonhado Campus, embora agora conte com uma “bolsa de estudo” custeada pela prefeitura, ainda espera solução para o problema da diminuição de alunos e para a abertura de novos cursos.
E assim assistimos mais um ano passar diante de nossos olhos; e assim comemoramos mais um aniversário com a velha esperança de vermos assuntos de interesse coletivo sendo discutidos e debatidos junto à população (a maior interessada) e vermos a aplicação de propostas que venham a trazer melhorias. Enquanto isso continuamos a vislumbrar uma cidade com mais opções de lazer e cultura, com mais oportunidades aos jovens, com mais geração de emprego, com mais investimentos nas áreas de educação e saúde, e com mais recursos para a área social, que venham colaborar com a qualidade de vida do rio-pardense.
Esperamos também ver nossa cidade abandonar de vez a sua herança colonial, calcada no individualismo, na tradição familiar paternalista, na formação de grupos com interesses próprios, que contribuíram unicamente para a segregação da população rio-pardense e para a inércia do município.
Marcelo Augusto da Silva - 14/03/2013

segunda-feira, 4 de março de 2013

Ainda sobre a blogueira cubana


          Não há como não se posicionar diante dos acontecimentos que envolvem as acusações ao seu país pela blogueira cubana Yoani Sánchez, seus defensores e à rejeição dada a ela pelos seus adversários. Inicialmente, deve se saber que em todos os casos, ou seja, em Cuba, nos manifestantes de ambos os lados e nas palavras de Yoani há controvérsias que devem ser ditas e discutidas.
            Sempre fui um simpatizante do socialismo e um leitor de Karl Marx, no entanto, consigo entender hoje o marxismo e a doutrina socialista dentro de seu tempo, e interpreto suas aplicações dentro da realidade do mundo atual, e provavelmente por isso, não deixo de enxergar os defeitos de Cuba. É fato que o socialismo da Ilha é uma ditadura em que não há liberdades, lá é partido único e Fidel Castro - com a explicação de lutar e defender a revolução - está no governo desde 1959. Por outro lado também devemos lembrar que não há liberdades em outros países, nos quais os indivíduos são vítimas de um sistema capitalista que os colocam dentro de uma prisão invisível em que são condenados a viverem num inferno, no qual existe a possibilidade de ter, mas não a oportunidade de ter; assim como há também tiranias dentro de democracias, as quais se aproveitam de brechas na lei ou de esquemas políticos e conchavos de uma política corrupta para se manterem no poder.
            Se posicionar do lado do não como faz a nossa mídia gorda (leia-se Veja e Rede Globo) e julgar a partir de seus próprios valores, é impor uma ideologia sem que ela passe pelo crivo de uma avaliação imparcial. Difícil e digno é conseguir ver no outro seus equívocos e ao mesmo tempo admitir seus acertos. Embora com todos seus erros e com sua ditadura, Cuba tem uma qualidade de vida que muitas democracias liberais vem tentando conquistar há anos; os cubanos têm educação e saúde de alto nível, e as diferenças sociais entre eles praticamente inexistem, o que, creio eu, faz com que qualquer pessoa de outra democracia deseje viver lá.
            O alarde provocado pela visita da blogueira ao Brasil só vem a acender uma velha disputa entre socialismo e capitalismo, a qual ela mesma afirmou, é um “discurso fora de moda”, afirmação com a qual concordo, pois as experiências passadas já anularam essa disputa; além de que suas aparições serviram também para partidários cegos e fanáticos usarem como picuinha e ataques histéricos que não vão mudar a situação de nenhum dos lados.
            No entanto, Yoani não foi justa, embora a mesma clame por justiça, ao posar no país como a celebridade do momento, a qual ocupou as capas de jornais e revistas e dominou o noticiário televisivo, nem foi justa também ao passear como estrela pelo calçadão de Copacabana tendo sua hospedagem em hotel cinco estrelas e despesas pagas com dinheiro público da Secretaria de Turismo do Rio de Janeiro. Cobrou a atuação dos Direitos Humanos na Ilha sem mencionar as atrocidades que acontecem em Guantánamo[1] e esqueceu, talvez por querer, de dizer que muitas das carências de Cuba hoje, são resultados do embargo econômico decretado pelos EUA[2].
            Criticar do lado de fora, assim como fez a blogueira, seus partidários e seus adversários é assumir uma condição muito confortável.
Marcelo Augusto da Silva - 04/03/2013



[1] Prisão militar estadunidense dentro do território cubano. Embora essa prisão esteja em Cuba, os EUA têm total autonomia e soberania sobre ela.

[2] O embargo dos EUA a Cuba é um embargo econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba pelos estadunidenses a partir 1962, convertido em lei na década de 1990. Em 1999, o presidente Bill Clinton ampliou este embargo comercial proibindo as filiais estrangeiras de companhias estadunidenses de comercializar com Cuba, a valores superiores a 700 milhões de dólares anuais. A medida está em vigor até os dias atuais, tornando-se um dos mais duradouros embargos econômicos na história moderna.