quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Novamente a intervenção



A Síria vive uma guerra civil desde 2011em que envolve as forças governistas representadas por Bashar al-Assad e rebeldes opositores, a qual já rendeu um total de mais de 100 mil vítimas. Nas últimas semanas um ataque no país foi responsável por mais de 1300 mortos que, de acordo com o governo estadunidense, foram usadas as tão temíveis e inadmissíveis armas químicas. O governo ditatorial de Assad, no entanto, responsabiliza a oposição.
O discurso estadunidense leva a uma interpretação de que armas químicas não são toleradas, mas outros tipos sim, pois como a situação indica há o risco de intervenção militar em território sírio sob a justificativa de ajuda humanitária. Essa possível intervenção - que certamente será formada por uma coalizão da OTAN - na Síria contra o governo de Assad praticamente reitera a ação autoritária encabeçada pelos EUA.
Os agravantes contra essa atitude soberba dos EUA são vários: há a oposição dos estadunidenses, onde uma pesquisa revelou que 60% da população é contra a intervenção; o fato do Conselho de Segurança da ONU ainda não ter um laudo sobre o que realmente aconteceu no dia 21 de agosto, o dia do ataque; o efeito reincidente estadunidense, praticado contra o Iraque em 2003 e que causou perplexidade e uma rejeição elevada ao invadir o território contrariando a decisão da ONU, e a postura duvidosa de Obama, o qual se elegeu erguendo uma bandeira contra a política militarista de seu antecessor Bush, e que hoje se mostra tão arrogante e autoritário quanto.
Olhando para esse panorama crítico das relações internacionais atuais, vemos que a região do Oriente Médio é conflituosa há muito tempo e a intervenção, seja lá de quem for, não resolverá em nada os conflitos, uma vez que o fundamentalismo e a instabilidade política são verdadeiros condicionantes para que lideranças surjam e atuem de maneira insensata e antidemocrática. Por outro lado vemos a insuficiência da ONU, uma organização supranacional, ao menos em tese, a qual não consegue intermediar conflitos e nem muito menos resolvê-los de um modo mais imparcial possível, mostrando-se fraca e submissa, onde potências econômicas, que além de ocuparem cadeiras em setores essenciais na organização, passam por cima de suas decisões, mostrando-se muito mais fortes e eficientes, atitude que em hipótese alguma deveria acontecer.
Até o presente momento, a situação indica que a hegemonia e a prepotência ocidental vão novamente se articular e decidir o que deve ser feito de acordo com sua visão unilateral. Longe de consentir com a violência síria e se colocar a seu lado e aos governos ditatoriais que se instalam no Oriente Médio, a História mostra que uma repressão à violência e a conciliação e o restabelecimento da estabilidade política não pode ser feita de forma vertical como acontece.

Marcelo Augusto da Silva - 29/08/2013

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Diante ao caos, o refúgio



Quantas bocas se fecharão, quando a bomba beijar o chão da cidade em chamas?
Cidade em Chamas - Engenheiros do Hawaii


            Com motivos estapafúrdios e irreais que agridem o nosso senso crítico e com consequências desastrosas e de níveis alarmantes, as guerras são uma constante na História da humanidade.
            Em meados do século passado, razões econômicas e hegemônicas causaram o início da Guerra Fria (1947-1991), um conflito basicamente ideológico, que levou os EUA a entrar numa disputa com a extinta URSS, onde ambos buscavam maior área de influência. Em meio a essa contenda que dividia o mundo em duas partes, ocorreu a Guerra do Vietnã (1959-1975), na qual a parte sul e capitalista do país entrou em combate com a porção norte socialista; dessa forma, os EUA, aliado do Vietnã do sul, temendo que mais um Estado se alinhasse ao socialismo, interviu no conflito, causando as atrocidades inerentes a uma guerra e peculiares do comportamento estadunidense, o qual em nome de sua dominação ideológica usa, se necessário, meios sórdidos e inescrupulosos. O saldo dessa guerra infame foi um total de cinquenta e oito mil estadunidenses mortos; para o Vietnã o desastre foi maior: cerca de três milhões de mortos entre soldados e pessoas da população civil.
            Após trinta e oito anos do fim da Guerra do Vietnã e vinte e dois do fim da Guerra Fria, Ho Van Than, um senhor de 82 anos, e seu filho Ho Van Lang de 41 anos, foram encontrados dentro de uma floresta do Vietnã, vivendo de acordo com as condições naturais do ambiente. O pai se refugiou na selva depois que um bombardeio em sua aldeia matou sua mulher e dois de seus filhos. Embora ambos tivessem a consciência de que o conflito há muito tinha se encerrado, Ho Van Than - que já havia sido encontrado por outro filho, o qual já mantinha contato desde a década de oitenta - se recusava a ser retirado do local. O resgate só foi concretizado devido às más condições de saúde em que o pai se encontra.
            Esse episódio pode trazer ao debate grandes assuntos referentes às questões bélicas e também sociais. A dupla habitando há mais de quarenta anos uma floresta, onde o filho praticamente viveu toda sua existência nessa condição, comprova a gravidade das batalhas, pois os dois numa atitude de pavor, lá se instalaram e não manifestaram nenhuma atitude de abandono do local. A vida dos dois em condições em consonância com a natureza - porém incompatíveis com o comportamento contemporâneo - mostra que é possível, apesar das restrições e do desconforto, viver com muito pouco.
            Evidentemente, diante da barbárie a qual os dois presenciaram, é possível afirmar que a solução foi viver de forma isolada e com poucos recursos, condição preferível perante uma vida atrelada a uma insana disputa pelo controle econômico.
            Diante do ocorrido, há de se constatar que tão grave quanto invadir, massacrar e pilhar o território alheio, seria nesse momento não respeitar a opção de escolha por uma vida reclusa e impor uma socialização, principalmente do filho que praticamente é uma nativo desse ambiente.  Uma vez adaptados e acostumados à vida nos moldes primitivos, a introdução e reintegração à sociedade pode ser vista como o mesmo processo desrespeitoso de imposição cultural característico do período colonial.
            Não fosse a debilidade física enfrentada pelo pai, certamente ambos continuariam a viver de modo isolado, concluindo dessa maneira que é preferível uma vida de forma simples e digna junto à natureza, a um modo de viver ao meio da insensatez do mundo contemporâneo.

Kim Phuc de 9 anos correndo em meio ao povo desesperado em 08 de Junho de 1972, após um avião norte-americano ter bombardeado a população de Trang Bang com napalm e Ho Van Lang de 41 anos sendo resgatado no dia 08 de agosto 2013.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O bullying como ele é




“Todas as mágoas são suportáveis quando fazemos delas uma história ou contamos uma história a seu respeito".
Isak Dinesen – escritora dinamarquesa

Há algum tempo a sociedade em geral e o poder público têm promovido um debate crescente em relação ao bullying, bem como ações de esclarecimento, prevenção e punição contra essa prática. De fato, o combate a essa atitude é de extrema necessidade, visto que são muitos os que sofreram e ainda sofrem com a perseguição em sua infância e adolescência; pode-se até afirmar que tardou-se a tonar o assunto evidente, devido aos malefícios que ele traz ao indivíduo e à sociedade.
No entanto, é preciso destacar que o termo exige ser aplicado de forma correta e em momento oportuno, uma vez que vemos hoje ele ser usado à revelia, tornando-se desgastado e consequentemente sem uma direção específica. Embaso tal afirmação em experiências que presencio no contato com crianças, adolescentes e muitos profissionais que lidam com essas faixas etárias, os quais insistem em qualificar quaisquer atitudes de desentendimento ou conflito de relações como bullying. Na realidade o que caracteriza um ato como tal é uma perseguição contínua, uma humilhação constante, uma violência física, verbal ou moral de cunho preconceituoso, a qual retira a vítima do convívio social sadio, colocando-a numa situação isolada e longe do desenvolvimento adequado, podendo transformá-la num adulto inseguro e emocionalmente abalado. Leandro Karnal, professor de História da UNICAMP, já debateu o esvaziamento do termo, afirmando que o que era “chatice” ou “implicância” no passado, começou a ser tratado atualmente como bullying.
Junto com a preocupação do problema do bullying e os programas de informação e de combate à sua prática, o cinema investiu no assunto, aproveitando-se do momento para realizar uma série de filmes que debatem esse comportamento e suas consequências, muitos deles explorando o tema de maneira deturpada, com fins sensacionalistas e econômicos, deixando de lado a seriedade desse mal intrínseco das relações.

No caminho oposto a esse cinema banalizado e interesseiro, em 2012 foi realizado o filme Depois de Lúcia, uma produção mexicana dirigida por Michael Franco, que aborda o problema de acordo como ele ocorre na maioria dos casos: um terror silencioso e maligno, uma aflição e um tormento na vida de crianças e adolescentes, o qual tem desdobramentos desastrosos para vítimas e familiares. Sem cair no chavão e no estereótipo, narra a situação de uma adolescente que após a morte da mãe, muda de cidade para tentar superar a perda; fechada e retraída em seu luto da mesma maneira que o pai, a jovem, vítima de uma exposição causada pelo acesso à tecnologia (no caso celulares e compartilhamento de vídeos) e do consumo abusivo de drogas lícitas e ilícitas pelo grupo agressor, sofre todo o tipo de perseguição e humilhação que o público nem supõe acontecer.
Dessa maneira, o diretor explora o problema com a mesma intensidade e crueldade que o bullying provoca, colocando o expectador numa situação sufocante, a qual o deixa num estado agonizante ao testemunhar tanta violência que o jovem é capaz de produzir. Em determinados momentos, chega-se a pensar que as situações retratadas são carregadas de exagero, tanto da parte dos agressores, os quais são capazes de agredirem a adolescente de uma forma selvagem, e também da própria vítima, que sofre toda a violência sem demonstrar nenhuma reação e nem a mínima tentativa de denúncia nos raros momentos em que o caso chega ao conhecimento dos adultos; por outro lado o diretor possivelmente usou a estratégia do excesso para revelar um lado sombrio do bullying, onde a vítima, por medo ou por outro motivo, apresenta um comportamento cada vez mais fechado e o agressor cada vez mais sem limites.
 Com um efeito de incômodo, insegurança, piedade e revolta causada pela trama, ela traz a possibilidade da sociedade analisar e tratar desse problema longe do sensacionalismo e encará-lo como um inimigo presente, porém na maioria das vezes imperceptível, em muitos momentos do cotidiano.