sábado, 27 de setembro de 2008

O cinismo do Estado

“O Estado é a negação da humanidade!”
Mikhail Bakunin, principal expoente do anarquismo


A política neoliberal implantada no começo da década de 1990 nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento - onde se inclui o Brasil - como parte de um “acordo” entre os países ricos do chamado 1º mundo e de organizações financeiras internacionais, desmantelou toda a estrutura e o funcionamento dos serviços sociais que até então existiam ou funcionavam de alguma forma.
Desobrigou-se então o Estado, com o consentimento dos governos de direita que se elegeram desse período, de dar a devida atenção a setores que eram de sua responsabilidade como saúde, educação, segurança, etc. Em outros termos a nova ordem é a de que se o cidadão deseja ter alguns desses serviços ele deve arcar com a sua despesa, pagando o seu devido preço a uma empresa privada que o preste.
Se então o Estado não garante mais nenhum serviço de qualidade, até quando fingir que ele tem o compromisso com eles? Como na educação que há muito tempo empurram os alunos de série em série; como na saúde com os hospitais e suas filas intermináveis e com o descaso de muitos profissionais da saúde, principalmente dos grandes centros, onde a única certeza que o usuário tem é a de que não vai ser atendido de uma forma rápida, eficiente e digna; como na segurança onde a falta de investimento deixa a polícia despreparada e sem equipamento, abrindo espaço para as empresas de segurança particular; sem falar da burocracia estagnada, truncada e moribunda dos serviços públicos, como é o exemplo da justiça, que transforma o contribuinte que dela necessite num refém de sua intransigência.
Com todo esse descaso acontecendo o governo sempre tenta passar a mensagem de que tudo está regularmente funcionando, com toda a qualidade merecida, sempre se utilizando de números forjados e propagandas enganosas. Mesmo com muita gente vendo que o serviço público não funciona, que não há investimento nele e que de comum acordo ou não, as empresas privadas se aproveitam para entrarem em cena, o Estado com todo o cinismo insiste em dizer que acontece justamente o contrário.
Já passou da hora do Estado assumir sua posição de ineficiência e escancarar de vez a verdade. Deixar de lado a hipocrisia e mostrar os fatos tais como são na realidade. Chega de jogar a sujeira debaixo do tapete e pensar no povo como um ser ignorante, desprovido de visão crítica onde é fácil manipulá-lo e ludibriá-lo com mentiras travestidas de verdades. Há tempos o Estado deixou de ser mãe; hoje ele não é nem de longe uma madrasta megera.
Se a população já não mais engole muita coisa assim como foi no passado e se hoje o consenso preza tanto a sinceridade quanto a lealdade, um bom exemplo deveria vir do Estado e ele se mostrar ao povo quem é de fato. Já que todas as decisões governamentais têm um rumo vertical, ou seja, são de cima para baixo apesar dos mecanismos democráticos que possuímos, a verdade deveria acompanhar todas as artimanhas que o Estado tem se utilizado para tirar cada vez mais o corpo fora e deixar que o setor privado se sinta a vontade para lucrar em cima do cidadão.
Se isso acontecesse de fato a chaga deixada pelo Estado talvez não aumentasse mais, e aqueles que ainda não enxergaram o estorvo que ele é abrissem mão de vez dele, e quem sabe um dia ele até deixasse de existir, assim possivelmente as coisas funcionariam melhor, já que a sua única função é arrecadar cada vez mais impostos do contribuinte e não reverte-lo em seu benefício.
Marcelo Augusto da Silva - 27/09/08

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

As distâncias ainda existem


Já no início da formação das primeiras civilizações havia um distanciamento de um povo em relação a outro devido ao seu desenvolvimento, o que gerava certo preconceito nas relações de um com o outro. Um povo que estivesse num nível de organização dito “mais avançado” desprezaria e subjugaria aquele que ainda não o tivesse atingido, ou então aquele que já dominasse algumas técnicas, recursos ou mesmo estratégias também se comportaria dessa forma.
O Brasil na época da chegada dos portugueses iniciou a sua vivência nessa situação e desde já de um modo bem agressivo, pois os nativos estavam no caso num nível de organização social diferente comparado ao dos portugueses, além de que eles possuíam uma cultura também muito diferente.
Devido a essa diferença entre os dois povos, o português se julgou superior aos primeiros habitantes de nossa terra e serviu-se desse pensamento para promover uma matança contra o elemento indígena. Esse caso figurou como um dos mais cruéis preconceitos, pois além de não se respeitar, nem muito menos valorizar a cultura do índio, não se respeitou o seu próprio direito à vida.
Se o índio não conhecia certos aparatos ou não detinha o conhecimento já adquirido pelo branco não significava que ele fosse incapaz, mas sim que seu estágio evolutivo não lhe proporcionava as condições necessárias para que ele concebesse algo ligado a certo conhecimento; ou então indo mais longe, o índio não havia a necessidade de criar e utilizar todas as quinquilharias do europeu porque o seu modo de vida não exigia de nada além do que ele tinha, não significando também que ele era intelectualmente inferior.
Ainda sobre o caso específico dos índios cabe aqui dizer que dentro da sua simplicidade ele se mostrou, e ainda se mostra, totalmente superior (agora com toda a justiça do termo), pois ele não possui os valores nocivos e destrutivos e nem comete as atrocidades injustificáveis típicas da sociedade branca.
Assim como no passado hoje essas diferenças e intolerâncias entre comunidades e etnias ainda permanecem, chegando em alguns casos acontecer dentro de um mesmo grupo, e apesar de tantos esforços e de tanta discussão em torno do assunto o preconceito, a não aceitação e a exploração do outro ainda é latente.
Enquanto determinados segmentos da sociedade se interagem com o mundo graças à tecnologia e dominam vários recursos técnicos que lhes trazem lucro e conforto, vemos comunidades que ainda não foram inseridas nem num sistema educacional que lhes ofereçam a oportunidade de uma alfabetização e que nem de longe têm algum contato com a tecnologia e os seus benefícios, colocando-as numa distância muito grande em relação à outros grupos, aprofundando ainda mais o abismo social.
Por viverem dessa forma, embora isso não caracterize nenhuma desvantagem ou prejuízo, essas pessoas vão ficando à margem da sociedade, chegando a tornarem-se massa de manobra da elite social e também sendo aproveitas de alguma forma por aqueles que estão na outra extremidade para se manterem ainda mais no domínio.
É o caso do Brasil onde já não há mais a morte de quem usa a flecha por aquele que usa a pólvora, mas quem não sabe ler nem escrever ou é morto lentamente ou então serve para enriquecer ainda mais aqueles que estão conectados dia e noite via satélite.
Marcelo Augusto da Silva - 18/09/08

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A caça ao voto através dos tempos


Para obter apoio popular, o candidato deve saber o nome dos próprios eleitores, elogiar seus méritos, bajular, mostrar-se generoso, fazer alarde e dar esperança de um emprego público [...]
Cícero – orador, estadista e escritor romano

O cenário das campanhas eleitorais que temos hoje, carregada de propagandas, comícios, apelos de votos e também do comparecimento de candidatos a qualquer lugar em que se encontre um grupo de eleitores, nos dá uma idéia de que isso é uma situação típica da contemporaneidade.
Porém a política e tudo o que a envolve acompanha a vida do ser humano há milênios, como é o caso de Atenas, importante cidade-Estado grega que lançou as bases da política e da democracia.
Roma a exemplo do caso ateniense e de outras cidades tinha uma vida política muito agitada e com características muito próximas à nossa. A efervescência e o corre-corre das campanhas eleitorais se assemelha muito com a dos nossos dias, bem como a postura e o comportamento daqueles que disputam os cargos políticos.
A propaganda em cartazes espalhados pela cidade era utilizada em grande escala pelos romanos, os quais divulgavam suas propostas e suas promessas. Os candidatos romanos tomavam o cuidado - segundo instruções de estudiosos do assunto na época - de manter um constante contato com os eleitores e com o povo mesmo não tendo nenhuma afinidade com as outras camadas da população.
A idéia de se transmitir aos eleitores uma imagem de pessoa íntegra, responsável e dedicada era de grande valia para os romanos. Hoje nossos candidatos mantêm esse costume e ainda contam com a sorte de serem favorecidos pela tecnologia, pois podem reforçar sua imagem – muitas vezes falsa – com uma foto de um sorriso forçado, ou com um vídeo dele visitando uma comunidade carente.
Fazer aliados, arregimentar cabos eleitorais, manter ligações, fazer contatos, forjar acusações aos adversários, mostrar os vícios, os erros e as fraquezas do oponente também era uma prática de praxe nas campanhas romanas.
Comparando as duas situações vemos que muito pouco, ou praticamente nada, evoluiu em séculos e séculos de História. Hoje o indivíduo apesar de ser instruído e de possuir um maior acesso à informação ainda se vê cativo da baixaria que paira sobre a política.
Infelizmente a vida pública continua sendo vista como um privilégio, como um lugar para poucos ou então como um meio de ascensão ou estabilidade, e muitos ainda não enxergaram as verdadeiras intenções dos que querem nos representar. Por que não herdar do passado apenas os bons exemplos? Por que não evoluir e eliminar tudo aquilo que é nocivo ao homem e à vida em sociedade?
Pelo que vemos chegamos à conclusão que ainda temos muito que aprender.
Marcelo Augusto da Silva - 12/09/08

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

A evolução eleitoral brasileira

“Vamos celebrar nossa justiça, a ganância e a difamação. Vamos celebrar os preconceitos, o voto dos analfabetos. Comemorar a água podre e todos os impostos queimadas, mentiras e seqüestros, nosso castelo de cartas marcadas, o trabalho escravo, nosso pequeno universo.”
Perfeição – Legião Urbana

No 07 de setembro comemoramos 186 de independência , data em que o Brasil deixou de ser uma colônia de Portugal e iniciou sua vida de país independente e soberano, ao menos no que diz respeito à questão política.
Como um Estado autônomo o Brasil deveria elaborar a sua Constituição e nela prever, dentre outras leis, as normas para eleger seus futuros representantes, apesar do país se tornar livre e continuar a adotando a monarquia como forma de governo, a escravidão como forma de mão-de-obra e a posse da terra ser de exclusividade de uma minoria.
Nessa conturbada Constituinte de 1923 D.Pedro I, o imperador do Brasil, querendo colocar em prática suas intenções absolutistas fechou a Assembléia Constituinte e no ano seguinte o monarca entrega aos brasileiros a sua primeira Constituição que estabelecia eleições indiretas e censitárias, onde os eleitores de primeiro grau, com renda mínima de 100 mil-réis, elegiam os eleitores de segundo grau, que deviam ter uma renda mínima de 200 mil-réis anuais, para elegerem deputados e senadores. Nela era estabelecido como eleitor os cidadãos maiores de 25 anos, lembrando que as mulheres estavam de fora das urnas e cidadão era considerado somente os homens livres.
Em 1881 a Câmara aprovou uma reforma eleitoral que proibiu o voto aos analfabetos e eliminou o eleitor de primeiro grau, o que transformou as eleições brasileiras em diretas, mas elevou a renda mínima para 200 mil-réis anuais.
Proclamada a República em 1889 é o momento de ser elaborar uma Constituição para um país agora republicano. Nela é baixada a idade mínima para 21 anos e determinado o fim da exigência de renda, porém é mantida a exigência de eleitores alfabetizados, embora o Estado não garantisse a todos o ensino público e gratuito.
No início do século XX o Brasil entra na fase da República Coronelista ou República do café-com-leite onde os coronéis, autoridades locais em geral grandes fazendeiros ou comerciantes, que usufruindo da sua condição financeira controlavam as políticas locais nomeando delegados e juízes (na maioria das vezes um parente ou apadrinhado seu) e elegendo prefeitos, governadores e até mesmo presidentes, favorecido pelo voto cabresto (aquele em que o eleitor é forçado a votar no candidato do coronel com risos de sofrer represálias), o voto fantasma (aquele cujos eleitores que já haviam comparecido às urnas votavam pela segunda vez com títulos de falecidos) e o clientelismo (mecanismo onde o coronel oferecia favores ao eleitor em troca de um voto no candidato de seu apoio ), tudo isso contando com a facilidade do voto ser aberto e do controle das eleições ser de responsabilidade do poder Executivo.
A situação eleitoral no Brasil só iria melhorar com a Constituição de 1934, que apesar das contradições de seu governo, foi aprovada por Getúlio Vargas. Nela é estipulado o voto secreto e obrigatório, direito ao voto de todos os brasileiros alfabetizados maiores de 18 anos, inclusive as mulheres, a criação da Justiça Eleitoral que irá organizar e fiscalizar as eleições, tendo a possibilidade de por um fim às fraudes.
Com o fim da ditadura militar em 1985 o Brasil novamente se organiza para repensar uma nova Constituição, essa de acordo com as mudanças necessárias do seu tempo. Promulgada em 1988 ela mantém a obrigatoriedade do voto aos maiores de 18 anos e torna-o facultativo para os menores de 16 anos, aos analfabetos e aos maiores de setenta anos.
De todas as nossas leis máximas, a atual é a mais liberal de todas e a que mais se aproxima de uma Constituição democrática, pois torna o voto ao alcance de todos, embora haja contestações de alguns que afirmam que os analfabetos ou os menores de 16 anos não tenham as condições necessárias para escolher o seu representante e que voto obrigatório não configure uma democracia.
Com todo esse demorado processo evolutivo que passou a nossa legislação eleitoral, enfim chegamos a um estágio em que podemos exercer nossa cidadania e nossa democracia eleitoral, mas mesmo assim lamenta-se o fato de haver pessoas que deixam essa oportunidade passar votando em branco ou anulando seu voto, ou então vendendo o seu direito de escolher alguém íntegro e digno de representá-lo no poder a troco de uma cerveja, uma ficha de bilhar um saco de cimento ou uma falso aperto de mão e uns tapinhas nas costas.
Marcelo Augusto da Silva - 05/09/08