quinta-feira, 26 de março de 2009

Decisão religiosa X Decisão estatal

Ao debater um assunto tão polêmico e controverso como o que segue, é necessário informar algo de suma importância: desde a Proclamação da República no Brasil em 1889 o Estado brasileiro é laico, ou seja, não possui religião oficial, contrário ao período anterior, onde Estado e Igreja Católica estavam unidos, e de certa forma dependentes das determinações do outro.
No dia 04 último houve a realização de uma cirurgia que fez interromper a gestação de uma menina de 9 anos onde o acusado de tê-la engravidado é o seu padrasto que abusava dela há cerca de três anos. O caso levou a Igreja Católica a entrar em parafuso e chegar ao ponto de excomungar a criança, sua mãe e o médico responsável pelo aborto, que estão dentro legislação brasileira, onde se prevê essa prática em casos de estupro.
A excomunhão repercutiu dentro e fora do país; aqui até os ministros e o próprio presidente se pronunciaram a respeito da decisão católica, que não abre mão de sua posição afirmando que o crime contra a vida é gravíssimo, cuja pena é a excomunhão. Já o estupro para os católicos é também considerado grave, mas não abrange a penalidade máxima da Igreja, como se a violência sexual não tirasse de certa forma a vida de uma criança.
A violência é um mal que aterroriza a sociedade atual. A busca por meios de reduzi-la e punir os praticantes é algo de total responsabilidade do Estado, cabendo a ele decidir de quem é a culpa e o que cabe ao criminoso; enquanto a Igreja cuida das questões espirituais daqueles que optaram em seguir os preceitos católicos.
Enquanto muita gente dispensava seu tempo se indignando com a excomunhão dos envolvidos no aborto da criança, outros crimes tão graves como esse poderiam estar acontecendo. Por que ouvir então uma voz isolada de um clero que não acompanhou as mudanças comportamentais e socais, e que diante de tantas alterações e evoluções que passamos ainda se mantém conservador, retrógrado e reacionário?
Que diferença irá fazer uma excomunhão para uma criança inocente que sofreu abuso de um maníaco dentro de sua própria casa? Certamente essa menor já foi muito penalizada pela vida e o que ela mais precisa nesse momento é apoio para tentar superar o mal que lhe foi causado. É de se pensar se ela, sua mãe e até o próprio médico se abalaram com a decisão da Igreja. O desenrolar dos dias mostra quem está com a razão, independentemente da opinião de alguma instituição.
Se os próprios códigos civis e penais mudam, se as legislações sofrem alterações de acordo com as direções que a sociedade toma, por que o código clerical não pode acompanhar essas mudanças? Então se o catolicismo quiser se manter firme aos seus valores, que o faça, mas dentro de seus limites, ou seja, não se manifeste contra aquilo que o Estado, por lei, decidiu. E já que o assunto da função espiritual da Igreja foi tocado, por que a Igreja não se mostrou comprometida com o bem estar dos homens e ofereceu apoio à criança e à sua família ao invés de virar as costas e isolá-los?
É temerário para os leigos penetrar em terreno religioso, mas também não há como se calar diante de um caso de tanto desprezo a um ser humano como o que foi dado a essa criança. Um ideal de convivência para os dias de hoje seria não misturar espiritualidade às coisas mundanas, de uma forma onde um não ouvisse a voz do outro; mas ao que parece isso está longe de acontecer, pois os religiosos ainda insistem em pisar em solo alheio.
Marcelo Augusto da Silva - 27/03/09