quinta-feira, 30 de abril de 2009

Mesmice musical

Nesse último final de semana tive a oportunidade de prestigiar um evento na região, que entre outros atrativos, continha apresentações musicais com a execução canções de outras bandas e compositores, que me levou a uma visão diferenciada sobre tais espetáculos.
Sempre fui um admirador da música, nunca ficando preso a um só estilo, mas sempre valorizando aqueles que não fossem comerciais e que tivessem uma ideologia ou uma mensagem a transmitir. Nessa minha trajetória de acompanhante da música e de shows, presenciei vários deles, muitos do mais belo gosto, outros nem tanto; mas agora realmente presenciei uma mudança agora incorporada que se iniciou de uns tempos para cá, e que embora visível, parece que muitos não sabem que ela existe.
Notei que os conjuntos ou as bandas valorizavam acima de tudo a música, procurando interpretá-la da melhor maneira possível, com toda fidelidade à original. Assim eles aprimoravam o vocal, a afinação dos instrumentos e a preciosidade de cada composição, levando-as ao público para que estes se envolvessem nela. Mas o que eu vi foi algo muito distante do que eu tinha na minha formação, concepção e no meu conceito musical. Observei que atualmente as bandas e os conjuntos musicais não se preocupam mais com a qualidade musical ou a sonoridade, mas simplesmente com o visual, a aparência e a performance (não dos músicos) no palco.
Não que há um tempo atrás o nível das músicas eram melhores, pelo contrário, em toda a apresentação o estilo comercial estava presente. Isso ainda prevalece atualmente, porém de uma forma bem mais acentuada, onde os repertórios são quase que integralmente no estilo “Bahia” se repetindo ao do carnaval, que por sua vez é o mesmo do Revellion, das quermesses, das formaturas, das apresentações comuns em praças públicas, etc. Todos eles recheados exageradamente com um “show” medíocre de dançarinos e dançarinos se revezando no palco, executando danças copiadas de outros. Não querendo cair na infâmia, mas levando em consideração minha análise, cheguei à constatação de que os músicos fingem que tocam, enquanto um grupo de coreógrafos dançam incansavelmente no palco.
É claro que cada época tem o seu estilo musical típico e que estes vão mudando de tempos em tempos, mas uma falta de criatividade e de bom gosto não justifica essa massificação e essa padronização hoje existente. Há pouco de originalidade e de diferenciação entre os shows musicais; fora dos circuitos alternativos, fica complicado para quem já está exausto de ver e ouvir a mesma coisa poder apreciar algo diferenciado. O curioso é ver que entre tanta pasmaceira há quem se mantém fiel àquilo que já não é mais novidade.
Marcelo Augusto da Silva - 01/05/09

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Sobre Cabral e Tiradentes

“Naquele Brasil antigo, perdido no desengano / Seu Cabral chegou nadando, e não se preocupou com nada / Deu ordem à rapaziada, mandou varrer o terreiro / ‘Me chame o pai do chiqueiro, que hoje eu quero forró, que eu já virei brasileiro’"
Fuá na casa de Cabral – Mestre Ambrósio
Durante essa curta semana muitos alunos e amigos me questionaram o porquê de se comemorar somente o Dia de Tiradentes no dia 21 e não o Descobrimento do Brasil no dia 22. Antes de responder a essa questão queria lembrar que os equívocos cometidos pela Historiografia (que significa, a grosso modo, a história da História) estão aos poucos sendo suprimidos por um novo enfoque dado aos acontecimentos. A comemoração dessas datas, ainda bem, não veio a ser um equivoco, já de início foi dado o devido valor a cada uma delas.
Sobre o 22 de abril o erro já começa pelo nome do fato. Sabe-se que o Brasil não foi descoberto, pois aqui havia milhares de pessoas habitando esse território, porém o que aconteceu foi uma invasão dos portugueses que, com sua arrogância e brutalidade roubaram, pilharam, mataram, mutilaram, escravizaram, estupraram, sodomizaram e se apossaram daquilo que não era seu.
Pior do que classificar os portugueses como descobridores, é considerar o 22 de abril como a sua chegada aqui, pois na verdade ela só existe para oficializar o controle de Portugal sobre nosso país, já que é certo que a Coroa sabia que desse lado do Atlântico havia terras, e naquele momento elas eram extremamente essenciais para abastecer o reino com ouro e impulsionar o mercantilismo, a prática comercial da época.
Era tão clara a existência das Américas para a Europa antes de 1500, que em 1494 –seis anos antes dos portugueses terem chegado aqui – as terras do novo mundo foram dividas entre Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas, cabendo a Portugal a porção leste e a oeste à Espanha. Do contrário será que os portugueses então aceitariam um acordo se não tivessem a certeza de que aqui havia algo que lhes interessasse?
Então o dia 22 e a história fantástica em que Cabral, ao enfrentar uma tormenta nas proximidades do litoral africano na ocasião em que navegava em direção às Índias, teve sua frota “acidentalmente” desviada e sem nenhuma intenção aportou no nosso litoral só serviu para mascarar aquilo que já era sabido por muitos na época.
Devido a todos esses fatos é que certamente não se deve lembrar do dia 22 de abril como um dia glorioso e marcante, mas sim apenas como uma alusão ou até mesmo uma simbologia do momento da chegada oficial dos portugueses, o que para nós não foi glória ou privilégio algum.
No entanto o Dia de Tiradentes já se trata de uma data significativa pois nela se comemora a Inconfidência Mineira, ou seja, um movimento de libertação do Brasil da condição de colônia de Portugal, a partir do estado de Minas Gerais.
Inspirados nos ideais do Iluminismo, mas embora sendo um levante elitista, a conspiração mostrou a insatisfação da colônia perante a exploração e arbitrariedade do governo português em relação à extração do ouro na região, a principal economia do período. Sufocado com violência pelas tropas metropolitanas, a tentativa de rompimento de dependência culminou com o confisco de bens dos envolvidos, exílios e o enforcamento de Tiradentes no dia 21 de abril de 1792, o único executado.
No que diz respeito à importância de datas históricas, esta sim merece o reconhecimento e um feriado em sua homenagem, pois se uma marca a dominação de um povo sobre o outro, obviamente não merece ser reconhecida; mas a que marca a tentativa do fim desse domínio merece sim ser lembrada. Ou melhor dizendo deve servir de referência para que o Brasil hoje não continue sendo uma colônia dos paises dominantes atuais, onde estes, mesmo que não se apoderem de nossas terras, fazem isso de uma outra forma, sutil mais igualmente perigosa, nos trazendo uma dominação econômica e cultural, as quais infelizmente estamos vulneráveis.
Marcelo Augusto da Silva - 24/04/09

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Todo dia é dia de índio

“Nos deram espelhos e vimos um mundo doente...”
Índios – Legião Urbana
O calendário está repleto de datas comemorativas - algumas em nível nacional outras em nível internacional - a algum grupo ou a alguma minoria como os negros, as mulheres e os idosos. Esses vêm tendo maior destaque de uns tempos pra cá, mas o Dia do Índio, que é comemorado no dia 19 desse mês, parece que ficou esquecido no tempo, ou ao menos foi deixado de lado, salvo em algumas escolas infantis que distribuem penas feitas de papéis para as crianças colocarem na cabeça, tão idênticas quanto à dos índios da América do Norte.
A celebração de uma data a algum grupo dá a impressão – assim como é dito em tom de piada – que somente um dia é dedicado a ele e os outros 364 restantes não são. O índio está ficando pelo jeito sem nenhum dia. Aliás, não se pode dizer que ela tenha algo; pois tudo o que lhe pertencia como cultura, tradição, terras, família, costumes e inclusive a sua alma lhe foi tirado sem piedade, condenando-os a uma situação de marginalidade e exclusão a qual eles vivem ultimamente.
Ocupando todo o território brasileiro e possuidor de uma cultura infinitamente superior a qualquer outro que se julgue civilizado, o indígena foi submetido a um genocídio por parte dos portugueses que aqui chegaram, tão somente interessados em riqueza e conversão dos “infiéis”. De toda a exuberância que existia nessas comunidades pouco restou, há tribos que não sobrou nenhum descendente, nem sequer um vestígio para lembrar o que foram aquelas pessoas.
A ganância europeia não soube olhar a verdadeira riqueza que existia nos índios dos Brasil, que era a comunhão entre os membros da tribo, o respeito à natureza, a dedicação e proteção aos membros de sua família, principalmente às crianças e aos adultos. Já de início foram tachados de selvagens e sem alma pelo branco, que via somente a sua imagem como referência do que é certo ou belo. No entanto a história mostrou que o verdadeiro não civilizado era o próprio europeu, pois só assim pode-se classificar alguém que tira a vida de uma pessoa somente pelo fato dela ser diferente.
Mais de 500 anos se passaram e essa mancha na história brasileira não foi reparada, pois ainda se coloca o índio no mesmo patamar rebaixado que se colocava na chegada dos portugueses. Ainda hoje a palavra índio continua sendo usada como sinônimo de selvageria, de burrice ou então anomalia. O mesmo branco que atualmente o agride verbalmente afirmando que ele não é legítimo, pois usa calçado, assiste televisão e pilota uma moto, se esquece que foi um membro de sua “raça” que tirou todo o modo de vida indígena para impor o seu, na convicção que era o correto.
Mesmo com uma miséria de terras atualmente lhes pertence - graças a leis que lhes garantem isso através da criação de reservas - ainda o branco o atormenta e o pressiona com a mesma truculência de outrora para roubar esse mínimo que está sob sua posse. É pouco divulgado, mas o massacre e a crueldade ainda é uma constante na vida dos indígenas.
Querer esconder a vergonha do passado do Brasil dedicando um dia ao índio é uma atitude não muito digna. Os verdadeiros donos do Brasil mereceriam inicialmente respeito por tudo aquilo que são e em seguida a devolução daquilo que foi seu no passado. O curioso é que o tempo não conseguiu ensinar ao branco que ele está errado desde a invasão dos portugueses, muito pelo contrário, esses erros persistem em acontecer sucessivas vezes, e nada tem sido feito para reverter a situação. No discurso, nas teorias e na legislação tudo parece caminhar em direção ao respeito e a convivência pacífica, mas no fundo o desprezo, o racismo e a pilhagem ainda fazem parte da mentalidade do branco.
Marcelo Augusto da Silva - 16/04/09

quarta-feira, 8 de abril de 2009

A comemoração da Páscoa através do tempo

No primeiro domingo após a lua cheia seguinte à entrada do equinócio de outono no hemisfério sul ou o equinócio de primavera no hemisfério norte, é celebrada a Páscoa, uma festividade tanto para os judeus quanto para os cristãos. Como a data é baseada no calendário judaico, e este é lunar, a Páscoa cristã passa a ser móvel no calendário gregoriano, assim como as demais datas referentes a ela, tanto na Igreja Católica como nas Igrejas Protestantes e Igrejas Ortodoxas.
Para a cristandade nesse dia se comemora a ressurreição de Jesus Cristo, que segundo o livro sagrado ele subiu aos céus no domingo de Páscoa. Inicialmente pode soar estranho, pois se a Páscoa começa a ser celebrada nos anos seguintes à sua morte, como ele poderia ter ressuscitado então já no dia de Páscoa. É que a data já era comemorada pelos judeus como sendo o dia em que seu povo foi libertado da escravidão do Egito.
O termo Páscoa deriva do hebraico Pessach que significa passagem. Para os judeus a saída do Egito para a Terra Prometida simboliza a passagem para uma nova vida; assim como a morte de Cristo na cruz possibilitou à humanidade uma nova vida também.
A data também foi comemorada por vários povos, muitos deles pagãos, com alguns simbolismos em comum com a festividade atual, tal como na Europa Medieval onde nesse dia se presenteava uns aos outros com ovos verdadeiros decorados; no hemisfério norte a Páscoa coincide com a chegada da primavera e consequentemente com a época das colheitas, importantes para as comunidades que dependiam das boas safras, sendo assim os ovos simbolizavam a vida que se chegava nessa ocasião.
Para o ocidente o ato de se presentear no dia de Páscoa também tem, relativamente, o mesmo significado, pois Cristo entregou a sua vida para salvar a vida do homem e dessa forma o ovo para os cristãos também representa a vida. Já o fato dos coelhos entregarem esses ovos não tem nenhuma relação biológica, mas sim simbólica, uma vez que eles simbolizam igualmente à vida, pois o coelho é um ser que se reproduz com facilidade, representando assim a fertilidade.
Foi no século XVIII que confeiteiros franceses tiveram a idéia de fazer os ovos de chocolate, iguaria que apareceria apenas dois séculos antes na Europa, vinda da então recém-descoberta América. Surgido por volta de 1500 a.C., na região do golfo do México, o chocolate era considerado sagrado pelas civilizações Maia e Asteca.
Independentemente da crença ou da religião a Páscoa tal como outras comemorações religiosas, cada vez mais se distancia do seu sentido original. A indústria e o comércio a cada ano se aproveitam mais da data para explorá-la, transformando o simbolismo e a tradição de oferecer ovos numa obrigação, principalmente entre as crianças, onde na ânsia de vender mais, empresas acabam agregando outros produtos aos ovos como brindes e personagens para fisgar mais consumidores. Indícios da mudança dos tempos ou da mudança de valorização das coisas.
Marcelo Augusto da Silva - 09/04/09

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Alguém salve a África!

África tudo o que sofreu, porto de desesperança e lágrima, dor de solidão, reza pra teus orixás
Lágrima do sul – Milton Nascimento
Na sua visita à África no mês de março, o papa Bento XVI criticou e condenou o uso do preservativo como forma de conter a contaminação do vírus da AIDS – doença que está dizimando a população africana - alegando que “ele só estimula um comportamento sexual que a Igreja Católica vê como irresponsável e que estaria na raiz do problema da epidemia”.
Durante séculos a Europa usou e abusou da África e de seu povo para o enriquecimento próprio; sendo assim a AIDS é uma conseqüência dessa perversão estrangeira, ou seja, depois de sugar tudo o que o continente possuía os países do chamado primeiro mundo o abandonaram condenando-o a um legado de miséria e lutas civis. Ironicamente um europeu vai até lá aconselhar que não se use o preservativo.
Eis aqui mais uma vez a mistura entre o poder temporal e o poder espiritual. A AIDS é um problema de saúde pública, de total responsabilidade dos governos ou dos órgãos competentes, não da Igreja que encara - segundo seu moralismo arcaico e infundado - o comportamento sexual atual como algo nocivo.
Não há como reverter uma mudança na conduta social da humanidade. Se hoje as pessoas se relacionam mais do que nas décadas passadas e se sentem bem em função disso; se tabus como a virgindade e o segundo casamento já não representam mais nenhum terror para as pessoas e a AIDS existe nesse meio, o que seria mais prudente a fazer é evitar a proliferação da doença. Pregar o não uso da camisinha e impor um pensamento que condicione as pessoas a se relacionarem menos é pedir demais.
Uma voz anacrônica soando como essa só faz com que a situação piore, principalmente num continente com tantas peculiaridades como o africano onde a pobreza, a falta de informação e as guerras produziram esse flagelo que está aniquilando a população: nas duas últimas décadas, a AIDS matou 17 milhões de pessoas no continente, quase tanto quanto catástrofes históricas como a gripe espanhola do início do século passado (20 milhões) e a peste negra, na Idade Média (25 milhões).
De cada três infectados pela AIDS no planeta, dois vivem na África. A cada minuto, oito novos doentes surgem no continente. Na África do Sul, a incidência de estupros é epidêmica como a própria síndrome, e as duas estão vinculadas. Em certas regiões, cultiva-se a lenda de que um portador do HIV pode curar-se ao violentar uma virgem. Oficialmente, ocorrem 50 mil estupros por ano - há estimativas de que esse número seja superior a 1 milhão.
Muitos africanos ignoram o que seja AIDS. Eles acham que a doença é causada apenas pela pobreza, por bruxaria, inveja ou por maldição de espíritos antepassados. Esses mitos aumentam o estigma em torno da AIDS, mantida em segredo por doentes e familiares devido ao preconceito e ao isolamento a que são submetidos na comunidade.
Se o mundo dá de ombros à África, o pontífice por sua vez ao reafirmar a posição católica, consagrou e perpetuou esse tratamento; não demonstrou nenhuma atitude de amparo ao continente. Pediu aos católicos que lutem contra a pobreza, violência, corrupção e abuso de poder – como se eles aceitassem passivamente essas heranças coloniais – e se esqueceu de pensar que a AIDS está diretamente ligada a esses males. Faltou ele dizer que irá salvar a África.
Marcelo augusto da Silva - 03/04/09