quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O bullying como ele é




“Todas as mágoas são suportáveis quando fazemos delas uma história ou contamos uma história a seu respeito".
Isak Dinesen – escritora dinamarquesa

Há algum tempo a sociedade em geral e o poder público têm promovido um debate crescente em relação ao bullying, bem como ações de esclarecimento, prevenção e punição contra essa prática. De fato, o combate a essa atitude é de extrema necessidade, visto que são muitos os que sofreram e ainda sofrem com a perseguição em sua infância e adolescência; pode-se até afirmar que tardou-se a tonar o assunto evidente, devido aos malefícios que ele traz ao indivíduo e à sociedade.
No entanto, é preciso destacar que o termo exige ser aplicado de forma correta e em momento oportuno, uma vez que vemos hoje ele ser usado à revelia, tornando-se desgastado e consequentemente sem uma direção específica. Embaso tal afirmação em experiências que presencio no contato com crianças, adolescentes e muitos profissionais que lidam com essas faixas etárias, os quais insistem em qualificar quaisquer atitudes de desentendimento ou conflito de relações como bullying. Na realidade o que caracteriza um ato como tal é uma perseguição contínua, uma humilhação constante, uma violência física, verbal ou moral de cunho preconceituoso, a qual retira a vítima do convívio social sadio, colocando-a numa situação isolada e longe do desenvolvimento adequado, podendo transformá-la num adulto inseguro e emocionalmente abalado. Leandro Karnal, professor de História da UNICAMP, já debateu o esvaziamento do termo, afirmando que o que era “chatice” ou “implicância” no passado, começou a ser tratado atualmente como bullying.
Junto com a preocupação do problema do bullying e os programas de informação e de combate à sua prática, o cinema investiu no assunto, aproveitando-se do momento para realizar uma série de filmes que debatem esse comportamento e suas consequências, muitos deles explorando o tema de maneira deturpada, com fins sensacionalistas e econômicos, deixando de lado a seriedade desse mal intrínseco das relações.

No caminho oposto a esse cinema banalizado e interesseiro, em 2012 foi realizado o filme Depois de Lúcia, uma produção mexicana dirigida por Michael Franco, que aborda o problema de acordo como ele ocorre na maioria dos casos: um terror silencioso e maligno, uma aflição e um tormento na vida de crianças e adolescentes, o qual tem desdobramentos desastrosos para vítimas e familiares. Sem cair no chavão e no estereótipo, narra a situação de uma adolescente que após a morte da mãe, muda de cidade para tentar superar a perda; fechada e retraída em seu luto da mesma maneira que o pai, a jovem, vítima de uma exposição causada pelo acesso à tecnologia (no caso celulares e compartilhamento de vídeos) e do consumo abusivo de drogas lícitas e ilícitas pelo grupo agressor, sofre todo o tipo de perseguição e humilhação que o público nem supõe acontecer.
Dessa maneira, o diretor explora o problema com a mesma intensidade e crueldade que o bullying provoca, colocando o expectador numa situação sufocante, a qual o deixa num estado agonizante ao testemunhar tanta violência que o jovem é capaz de produzir. Em determinados momentos, chega-se a pensar que as situações retratadas são carregadas de exagero, tanto da parte dos agressores, os quais são capazes de agredirem a adolescente de uma forma selvagem, e também da própria vítima, que sofre toda a violência sem demonstrar nenhuma reação e nem a mínima tentativa de denúncia nos raros momentos em que o caso chega ao conhecimento dos adultos; por outro lado o diretor possivelmente usou a estratégia do excesso para revelar um lado sombrio do bullying, onde a vítima, por medo ou por outro motivo, apresenta um comportamento cada vez mais fechado e o agressor cada vez mais sem limites.
 Com um efeito de incômodo, insegurança, piedade e revolta causada pela trama, ela traz a possibilidade da sociedade analisar e tratar desse problema longe do sensacionalismo e encará-lo como um inimigo presente, porém na maioria das vezes imperceptível, em muitos momentos do cotidiano.