É preciso pedir mais e oferecer menos
Zizo, personagem principal do filme “A febre do rato”
O bordão que afirma “que
o brasileiro é um povo pacífico e, portanto, submisso” está sendo rebatido pela
onda de protestos acontecidos nas últimas semanas; os protestos ocorridos em
várias cidades não deixam que essa declaração se justifique. No entanto outro
bordão veio com fúria, afirmando “que no Brasil os atos organizados não são
protestos e sim somente atitudes de vandalismo”.
A dimensão desses
protestos foi equivalente aos ocorridos na época da Ditadura Militar
(1964-1985), o que dá a noção de que eles não podem ser tratados como casos
isolados ou sem nenhum propósito. A nossa mídia gorda e alguns grupos elitistas
aproveitaram o caso para externar sua posição conservadora e para acusar seus
integrantes de serem membros de partidos de esquerda (tachados a revelia como
radicais) vândalos, punks, anarcopunks, anarquistas, ou então gaiatos e
arruaceiros que participavam sem saber do que estavam acontecendo. De fato não
há uma homogeneidade dentre aqueles que participam dos protestos, mas jogar na
vala comum todos que ali estavam é reducionista, simplista e unilateral.
Se a onda de
manifestação se iniciou por causa do aumento dos preços das passagens de ônibus
em São Paulo, hoje seu foco mudou, não devido ao desvio de conduta dos
manifestantes como é ressaltado por muitos meios de comunicação, mas sim pelo
tratamento que as autoridades ainda dão às multidões. Se essas manifestações
atingiram o número de presos equivalente as da Ditadura Militar, possivelmente
é pelo fato das autoridades ainda tratarem os jovens a cacetadas, convocando a
Tropa de Choque para “limpar” as ruas das cidades, jogando assim a sujeira
debaixo do tapete. Alguns podem
afirmar que R$ 0,20 a mais no valor da passagem não é motivo para protesto;
possivelmente esses não dependem de transporte público, o qual compromete 14
minutos de trabalho do paulistano, e é oferecido de forma precária, com atrasos
e superlotação, além de pontos que não atendem as necessidades básicas do
usuário.
A
atitude da polícia militar, comandada pelo governo peessedebista no caso de São
Paulo, lógico, agiu contra os manifestantes com balas de borracha (que são
menos letais, mas podem ser letais como alguns afirmam) bombas de gás
lacrimogêneo e bombas de efeito moral, repetindo a mesma atitude covarde que sempre
o Brasil tomou contra as manifestações, protestos ou passeatas. Esse sim é um fato, um consenso no
nosso país: onde haja uma multidão reunida, seja em vias ou praças públicas,
que venha a Tropa de Choque para dispersá-la a cacetadas. Por conta desse procedimento
e agravado pela falta de diálogo dos governos e pelo peso de tantos problemas
reincidentes no Brasil, os atos tomaram proporção maior, não injusta ou tola
como muitos afirmam, mais sim ganharam uma causa maior: o protesto pelo direito
de protestar. Conclui-se que o aumento de RS,020 foi só um estopim para que
muitas insatisfações dos brasileiros viessem à tona.
A liberdade de expressão
e a organização é um dos direitos garantidos pela nossa Lei Máxima, mas, no
entanto, esse direito sempre fica sonegado quando uma falha do poder público e
da sua administração possa ser apontada. Longe de defender atos de depredação,
e tendo a consciência de que muitos, mas não a totalidade, dos que ali estavam
não tinham o propósito manifestante, é necessário reforçar que a manifestação,
bem como o protesto, é um direito inalienável de todo ser humano e não pode em
hipótese alguma ser suprimido.
Tudo isso nos dá a
sensação de que ainda persiste em nossos dirigentes a mesma mentalidade que
predominava no período da Ditadura, ou seja, de que “todo jovem é subversivo”,
que “toda reunião de jovens virará bandalheira e arruaça” e que “em nome da
ordem ela deva ser reprimida”, mesmo que inclua atos de violência.
Por enquanto o que temos
visto é um alarde gerado pela mídia sensacionalista a respeito desses atos;
ainda não foi ouvido nenhum pronunciamento a respeito de se olhar de frente
para os problemas do país apontados pelos manifestantes e se abrir para um
diálogo que vise sua resolução.