quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Lars Von Trier incomodou novamente

Nessa semana tive a oportunidade de assistir Anticristo, o mais recente filme do genial diretor dinamarquês Lars Von Trier. Envolvido numa atmosfera de expectativa e ânsia em vê-lo, o longa metragem superou muito aquilo do que eu esperava, principalmente ao comprovar que houve graves equívocos divulgados pela imprensa a respeito do filme.
Inicialmente o classificaram como sendo um filme de terror, o qual nem de longe ele chega a ter essa qualificação, trata-se de um drama pessoal ou, no máximo um suspense psicológico. O mais interessante é que o primeiro público que pôde assistir ao filme taxativamente o acusou de violento, sanguinário e “pornográfico”. Depois de assisti-lo cheguei à conclusão de que tudo o que foi dito inicialmente sobre ele partiu de pessoas desqualificadas para falar sobre tal assunto e que também não sabem apreciar um cinema de qualidade como esse, feito fora dos padrões convencionais e distantes dos moldes comerciais hollywoodianos; ou então as críticas negativas vieram pelo fato do diretor colocar o dedo na ferida ao trazer para a tela os mais obscuros sentimentos, medos e angústias do ser humano, atormentando quem o via.
Os próprios jornalistas numa coletiva após a sua exibição em Cannnes tiraram o diretor do sério ao fazerem perguntas estapafúrdias, chamando-o nas entrelinhas de insano; sem deixar se envolver pelo que estava sendo dito, ele respondeu às besteiras com o argumento de que ele não faz filmes pensando se as pessoas vão gostar ou não, mas sim pelo fato de realizá-lo como um prazer, e foi mais além afirmando que ele é o melhor diretor do mundo e isso lhe dá o direito de realizar qualquer tipo de obra. Se ele é o melhor diretor ou não é um ponto duvidoso, pois nas artes não há melhores nem piores, apenas aqueles que se destacam mais em determinados momentos ou obras, embora o filme tenha condições de colocá-lo nessa classificação.
Numa estética diferente de outras suas grandes obras como Dogville e Os idiotas, mas tão incômoda quanto elas, Lars Von Trier penetra dessa vez no universo perturbador de um casal cujo filho cai da janela do apartamento enquanto os pais praticam sexo num cômodo distante do quarto do bebê. A mãe, uma escritora que trabalha numa tese sobre a perseguição às mulheres na Idade Média, não suporta a perda e entra num estado de total desespero e depressão, o pai psicanalista tenta recuperar a esposa do trauma com o abandono da medição e fazendo-a embarcar na sua terapia numa cabana isolada localizada num lugar chamado, não coincidentemente, de Éden.
Cenas de sexo e de automutilações são presentes no filme, porém feitas com o maior grau de requinte e com um propósito, sem chegar ao nível da vulgaridade ou da apelação o que não dá o direto de alguém a ofender ao diretor e sua obra. Intrigante é que os filmes que temos nos cinemas e nas locadoras são recheados de trechos exibindo cenas como essas, contudo com um grande diferencial, pois elas estão ali para atrair a atenção do público, sendo que todos as assistem passivamente, sem nenhum questionamento, e não as encaram como algo fora do normal assim com foi feito em Anticristo. Entendo que as acusações feitas ao diretor nada mais foram do que uma reação do pânico causado pelo diretor que incomodou e abalou aqueles que se viram diante de uma realidade tão crua exposta na tela.
Quem aprecia penetrar no interior do indecifrável universo humano e assistir um filme recheado de simbolismo e questionamentos está aqui uma grande dica.


Marcelo Augusto da Silva - 02/10/09