Uma
mudança na LDB (Lei de Diretrizes e Bases) nesse mês de abril exige que,
obrigatoriamente, os pais devam matricular seus filhos na escola com quatro
anos de idade; anteriormente a idade era de seis anos. Tentativa talvez de
solucionar o problema educacional no Brasil - o qual apresenta um índice
bastante baixo - e também o problema social que uma má educação acarreta, essa nova
lei necessita de uma apuração mais detalhada, pois o que à primeira vista aparenta
ser uma melhoria, pode conter desdobramentos sérios.
Ficar mais tempo na escola não significa
uma melhoria nos níveis de ensino, especialmente porque a incumbência da escola
é aplicar uma educação formal (ou acadêmica), não uma educação informal, além
de que, dois anos a mais na escola nada resulta se esse tempo não tiver o
aproveitamento adequado. Para níveis de esclarecimento, entende-se por educação
informal aquela dada à criança pela família no âmbito doméstico que, em linhas
gerais, consiste às normas básicas de convivência e respeito mútuo para uma
coexistência em sociedade, a qual então se torna uma obrigação dos pais,
independentes destes terem quaisquer compromissos e de terem qualquer formação;
presume-se, portanto, que quando um casal opte (ou não), pela gestação de uma
criança, que este tenha a responsabilidade em educá-lo dentro de um padrão
social pré-estabelecido. Já a educação formal, compreende àquela oferecida pela
escola por intermédio dos professores, os quais são previamente qualificados
para tal função; educação que, gradativamente, vai sendo construída na criança
dentro do universo do conhecimento, o qual abrange as áreas das ciências, das
linguagens, dos códigos, e das artes, e que, em conjunto com a educação formal,
a criança adquira condições para se tornar um cidadão consciente com condições
de promover o bem próprio e coletivo.
De acordo com essa conclusão, uma
criança que frequente a escola a partir dos quatro anos de idade,
independentemente do período, significa, na prática, que essa escola se torna
responsável, além da educação acadêmica, pela sua educação informal, ou no
mínimo por parte dela. Em tese, transfere-se assim uma função da família para a
escola, a qual não tem obrigação nem condições de desenvolver essa ação.
Há de se supor que, o governo ao
alterar a lei, possa ter levado em consideração o fato da sociedade de consumo
hoje exigir que os pais acumulem um tempo maior de trabalho a fim de obter o
rendimento necessário para aquisição de tudo que o mercado oferece. Dessa
forma, estaria novamente transmitindo a função da educação informal e do
contato afetivo familiar a um terceiro; contato tão necessário a um indivíduo
para sua formação de caráter.
Se analisarmos essa mudança a partir
do sistema de ensino estadual, veremos a confirmação de uma situação
problemática. Exemplos nos mostram um sucateamento do sistema, o que gerou hoje
professores mal recompensados e desmotivados, os quais não contam com plano de carreira, nem com cursos
de aperfeiçoamento profissional adequado, além de terem que enfrentar classes
lotadas, longas jornadas de trabalho e a obrigatoriedade de trabalharem dentro
de uma proposta não condizente com a realidade social da maior parte dos
alunos. O resultado do funcionamento desse
sistema é falta de professores em todos os níveis do ensino, indicando que o governo
não será capaz de suprir a demanda de profissionais aptos para lidar com as crianças
de quatro anos que receberá a partir de agora.
Vivemos numa sociedade a qual passou
por uma grande transformação nas últimas décadas em relação à família,
comportamento, modelo político e outros, no entanto, o sistema de ensino de uma
maneira geral não se adequou a essa nova realidade, uma vez que a escola é a
mesma de décadas atrás. Hoje as crianças são estimuladas de diversas formas
desde os seus primeiros dias de vida, e esse estímulo a acompanhará por toda
sua vida; tudo hoje é som, luzes, cores e interação, porém a escola continua da
mesma forma. Qual a maneira de despertar nos alunos o interesse pelos conteúdos
transmitidos, diante de todo esse dinamismo que se vive hoje, numa escola que dispõe
apenas com as duas cores do giz e da lousa? Pensar numa criança sentada durante
horas diante de um professor que não conta com nenhum recurso, além de sua
criatividade, é uma tarefa árdua para esses profissionais. Pensar numa criança
que será submetida a essa rotina a partir dos seus quatro anos é exigir além de
sua capacidade. Foi tomado o caminho da contramão, o qual primeiro mudou-se a
idade mínima escolar para depois pensar em como adequar o sistema de ensino e
condições gerais a essa nova situação.
Penso em como o sistema de ensino,
incluindo escola e profissionais, irá lidar com essa condição e depois como ele
irá lidar com as crianças dos outros níveis de ensino que já estarão fatigadas
por esse sistema obsoleto. Antes de se pensar em colocar crianças com quatro
anos de idade na escola é urgente antes adequar a escola em todos os níveis,
como sistema de ensino, estrutura física, currículo e profissionais, para que
se possa recebê-las de uma maneira apropriada. Tirar a criança do contato familiar,
cortando assim parte dos laços de afetividade e das atividades lúdicas domésticas
tão importantes nessa fase, é algo sério que pode trazer complicações futuras.
Não seria essa a forma de resolver o
problema do ensino no Brasil e nem os problemas resultantes de sua deficiência;
a ação e a mudança deve ser ampla, geral e coletiva, não exclusivista, reducionista
e lateral como a alteração da idade mínima escolar.
Marcelo Augusto da Silva - 18/04/2013