quinta-feira, 2 de abril de 2009

Alguém salve a África!

África tudo o que sofreu, porto de desesperança e lágrima, dor de solidão, reza pra teus orixás
Lágrima do sul – Milton Nascimento
Na sua visita à África no mês de março, o papa Bento XVI criticou e condenou o uso do preservativo como forma de conter a contaminação do vírus da AIDS – doença que está dizimando a população africana - alegando que “ele só estimula um comportamento sexual que a Igreja Católica vê como irresponsável e que estaria na raiz do problema da epidemia”.
Durante séculos a Europa usou e abusou da África e de seu povo para o enriquecimento próprio; sendo assim a AIDS é uma conseqüência dessa perversão estrangeira, ou seja, depois de sugar tudo o que o continente possuía os países do chamado primeiro mundo o abandonaram condenando-o a um legado de miséria e lutas civis. Ironicamente um europeu vai até lá aconselhar que não se use o preservativo.
Eis aqui mais uma vez a mistura entre o poder temporal e o poder espiritual. A AIDS é um problema de saúde pública, de total responsabilidade dos governos ou dos órgãos competentes, não da Igreja que encara - segundo seu moralismo arcaico e infundado - o comportamento sexual atual como algo nocivo.
Não há como reverter uma mudança na conduta social da humanidade. Se hoje as pessoas se relacionam mais do que nas décadas passadas e se sentem bem em função disso; se tabus como a virgindade e o segundo casamento já não representam mais nenhum terror para as pessoas e a AIDS existe nesse meio, o que seria mais prudente a fazer é evitar a proliferação da doença. Pregar o não uso da camisinha e impor um pensamento que condicione as pessoas a se relacionarem menos é pedir demais.
Uma voz anacrônica soando como essa só faz com que a situação piore, principalmente num continente com tantas peculiaridades como o africano onde a pobreza, a falta de informação e as guerras produziram esse flagelo que está aniquilando a população: nas duas últimas décadas, a AIDS matou 17 milhões de pessoas no continente, quase tanto quanto catástrofes históricas como a gripe espanhola do início do século passado (20 milhões) e a peste negra, na Idade Média (25 milhões).
De cada três infectados pela AIDS no planeta, dois vivem na África. A cada minuto, oito novos doentes surgem no continente. Na África do Sul, a incidência de estupros é epidêmica como a própria síndrome, e as duas estão vinculadas. Em certas regiões, cultiva-se a lenda de que um portador do HIV pode curar-se ao violentar uma virgem. Oficialmente, ocorrem 50 mil estupros por ano - há estimativas de que esse número seja superior a 1 milhão.
Muitos africanos ignoram o que seja AIDS. Eles acham que a doença é causada apenas pela pobreza, por bruxaria, inveja ou por maldição de espíritos antepassados. Esses mitos aumentam o estigma em torno da AIDS, mantida em segredo por doentes e familiares devido ao preconceito e ao isolamento a que são submetidos na comunidade.
Se o mundo dá de ombros à África, o pontífice por sua vez ao reafirmar a posição católica, consagrou e perpetuou esse tratamento; não demonstrou nenhuma atitude de amparo ao continente. Pediu aos católicos que lutem contra a pobreza, violência, corrupção e abuso de poder – como se eles aceitassem passivamente essas heranças coloniais – e se esqueceu de pensar que a AIDS está diretamente ligada a esses males. Faltou ele dizer que irá salvar a África.
Marcelo augusto da Silva - 03/04/09