quinta-feira, 25 de abril de 2013

Uma convivência pacífica entre religiões



                                                                                                      Imagine there's no countries/It isnt hard to do
                                                                              Nothing to kill or die for/No religion too
                                                                                               Imagine all the people/ living life in peace...

Imagine John Lennon


    Recentemente assisti a uma entrevista com Abdel Bari Atwan, jornalista palestino radicado em Londres, o qual de tanto trabalhar com o tema da questão árabe, tornou-se um especialista no assunto. Conhecido por entrevistar o líder da Al Qaeda, Bin Laden, e por passar três dias na companhia do terrorista nas cavernas do Afeganistão para realizar esse trabalho, atualmente Abdel é uma referência no que diz respeito ao Oriente Médio.
O Jornalista palestino Abdel Bari Atwan
    Em determinado ponto da entrevista, o jornalista afirmou que o Brasil é um modelo de convivência a ser seguido nos países em que ocorrem conflitos religiosos, pois aqui coexistem pacificamente vários grupos de orientações religiosas distintas, em que, basicamente, impera a tolerância e a harmonia. No entanto, na prática, é complicado estabelecer a outros povos o padrão de comportamento dos brasileiros - mesmo que isso seja feito no plano da referência, e não da imposição como afirma o próprio jornalista - uma vez que a formação do país, bem como a de seu povo, foi totalmente diferenciada daqueles do Oriente Médio que sofrem com os conflitos religiosos. Obviamente essa não é uma forma prática e eficiente para resolver as diferenças, levando em conta a tradição, a ideologia e o fundamentalismo religioso desses povos.
            Durante alguns dias fiquei pensando nas palavras do jornalista e questionando se ele seria utópico demais em sonhar com uma convivência pacífica diante de séculos de desentendimento e intolerância religiosa, ou seria ele realista a tal ponto de querer aplicar uma experiência concreta como a nossa em locais que apresentam problemas.
            Interessante foi que logo após a essa entrevista tive a oportunidade de assistir ao surpreendente filme “E agora, onde vamos?” dirigido pela libanesa Nadine Labaki, a qual também interpreta uma das personagens principais. O enredo narra a história de uma pequena comunidade isolada no Líbano, rodeada por antigas minas terrestres que jamais foram removidas, cuja única ligação com o mundo é apenas uma precária ponte. Nessa comunidade vivem pacificamente católicos e islâmicos, num clima de total tolerância, o qual é mantido pela proposital não disponibilidade de sinal de TV, para que assim seus habitantes não sejam “contaminados” pelas notícias de hostilidades entre grupos de orientações religiosas diversas.
Pôster do filme "E agora, onde vamos?"
            De certa forma, o modelo de vida praticado na vila do filme de Nadine Labaki foi sugerido pelo jornalista palestino Abdel Bari Atwan, o qual revela que a chave para o fim de todas as desavenças está em cada um de nós, e que basta a iniciativa individual em aceitar e respeitar o outro para que o coletivo resgate esse ideal. Obviamente a humanidade ainda não tem essa consciência, no entanto, ideias tem que ser lançadas como sementes para que os frutos sejam colhidos em tempos posteriores.
            Se a sugestão do jornalista e a mensagem do filme soaram como prematuros, ou até mesmo ilusórios, na discussão e na busca de tentativa de resolução dos problemas religiosos mundiais, e principalmente do Oriente Médio, a História já mostrou que a resistência e o apego a dogmas e doutrinas só contribuíram para a disseminação da violência e da intolerância; resta cada ser humano usar os bons exemplos e cultivar em si valores como a tolerância, o desprendimento e a aceitação das diferenças, que dessa maneira a solução para os problemas vai sendo aos poucos conquistada. 
Marcelo Augusto da Silva - 24/04/2013
 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Matrículas abertas para crianças de quatro anos



          Uma mudança na LDB (Lei de Diretrizes e Bases) nesse mês de abril exige que, obrigatoriamente, os pais devam matricular seus filhos na escola com quatro anos de idade; anteriormente a idade era de seis anos. Tentativa talvez de solucionar o problema educacional no Brasil - o qual apresenta um índice bastante baixo - e também o problema social que uma má educação acarreta, essa nova lei necessita de uma apuração mais detalhada, pois o que à primeira vista aparenta ser uma melhoria, pode conter desdobramentos sérios.
            Ficar mais tempo na escola não significa uma melhoria nos níveis de ensino, especialmente porque a incumbência da escola é aplicar uma educação formal (ou acadêmica), não uma educação informal, além de que, dois anos a mais na escola nada resulta se esse tempo não tiver o aproveitamento adequado. Para níveis de esclarecimento, entende-se por educação informal aquela dada à criança pela família no âmbito doméstico que, em linhas gerais, consiste às normas básicas de convivência e respeito mútuo para uma coexistência em sociedade, a qual então se torna uma obrigação dos pais, independentes destes terem quaisquer compromissos e de terem qualquer formação; presume-se, portanto, que quando um casal opte (ou não), pela gestação de uma criança, que este tenha a responsabilidade em educá-lo dentro de um padrão social pré-estabelecido. Já a educação formal, compreende àquela oferecida pela escola por intermédio dos professores, os quais são previamente qualificados para tal função; educação que, gradativamente, vai sendo construída na criança dentro do universo do conhecimento, o qual abrange as áreas das ciências, das linguagens, dos códigos, e das artes, e que, em conjunto com a educação formal, a criança adquira condições para se tornar um cidadão consciente com condições de promover o bem próprio e coletivo.
            De acordo com essa conclusão, uma criança que frequente a escola a partir dos quatro anos de idade, independentemente do período, significa, na prática, que essa escola se torna responsável, além da educação acadêmica, pela sua educação informal, ou no mínimo por parte dela. Em tese, transfere-se assim uma função da família para a escola, a qual não tem obrigação nem condições de desenvolver essa ação.
            Há de se supor que, o governo ao alterar a lei, possa ter levado em consideração o fato da sociedade de consumo hoje exigir que os pais acumulem um tempo maior de trabalho a fim de obter o rendimento necessário para aquisição de tudo que o mercado oferece. Dessa forma, estaria novamente transmitindo a função da educação informal e do contato afetivo familiar a um terceiro; contato tão necessário a um indivíduo para sua formação de caráter.
            Se analisarmos essa mudança a partir do sistema de ensino estadual, veremos a confirmação de uma situação problemática. Exemplos nos mostram um sucateamento do sistema, o que gerou hoje professores mal recompensados e desmotivados, os quais  não contam com plano de carreira, nem com cursos de aperfeiçoamento profissional adequado, além de terem que enfrentar classes lotadas, longas jornadas de trabalho e a obrigatoriedade de trabalharem dentro de uma proposta não condizente com a realidade social da maior parte dos alunos.  O resultado do funcionamento desse sistema é falta de professores em todos os níveis do ensino, indicando que o governo não será capaz de suprir a demanda de profissionais aptos para lidar com as crianças de quatro anos que receberá a partir de agora.
            Vivemos numa sociedade a qual passou por uma grande transformação nas últimas décadas em relação à família, comportamento, modelo político e outros, no entanto, o sistema de ensino de uma maneira geral não se adequou a essa nova realidade, uma vez que a escola é a mesma de décadas atrás. Hoje as crianças são estimuladas de diversas formas desde os seus primeiros dias de vida, e esse estímulo a acompanhará por toda sua vida; tudo hoje é som, luzes, cores e interação, porém a escola continua da mesma forma. Qual a maneira de despertar nos alunos o interesse pelos conteúdos transmitidos, diante de todo esse dinamismo que se vive hoje, numa escola que dispõe apenas com as duas cores do giz e da lousa? Pensar numa criança sentada durante horas diante de um professor que não conta com nenhum recurso, além de sua criatividade, é uma tarefa árdua para esses profissionais. Pensar numa criança que será submetida a essa rotina a partir dos seus quatro anos é exigir além de sua capacidade. Foi tomado o caminho da contramão, o qual primeiro mudou-se a idade mínima escolar para depois pensar em como adequar o sistema de ensino e condições gerais a essa nova situação.
            Penso em como o sistema de ensino, incluindo escola e profissionais, irá lidar com essa condição e depois como ele irá lidar com as crianças dos outros níveis de ensino que já estarão fatigadas por esse sistema obsoleto. Antes de se pensar em colocar crianças com quatro anos de idade na escola é urgente antes adequar a escola em todos os níveis, como sistema de ensino, estrutura física, currículo e profissionais, para que se possa recebê-las de uma maneira apropriada. Tirar a criança do contato familiar, cortando assim parte dos laços de afetividade e das atividades lúdicas domésticas tão importantes nessa fase, é algo sério que pode trazer complicações futuras.
            Não seria essa a forma de resolver o problema do ensino no Brasil e nem os problemas resultantes de sua deficiência; a ação e a mudança deve ser ampla, geral e coletiva, não exclusivista, reducionista e lateral como a alteração da idade mínima escolar. 
 Marcelo Augusto da Silva - 18/04/2013

 

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Outono


As cores de abril / Os ares de anil / O mundo se abriu em flor
 E pássaros mil / Nas flores de abril / Voando e fazendo amor
As cores de abril – Vinícius de Moraes

           
            No dia 20 de março ele chegou, mas para os despercebidos não foi notada nenhuma diferença; o calor sufocante das tardes daqueles dias encobria a entrada da estação das frutas. As chuvas que vieram em seguida ocultavam ainda mais a estação recém-chegada; eram “as águas de março fechando o verão”, verão que castigava as pessoas.
            A interferência do homem na natureza provoca essas situações adversas: calor fora de época, chuva no início do período da estiagem. A sabedoria popular das gerações passadas já não tem mais tanta eficiência; impossível prever atualmente as condições climáticas baseando-se na rigidez de um calendário ou em fenômenos naturais.
            Mas, independentemente dessa variação climática ser um fato comum nos nossos dias, na quinta-feira dia 28 - a quinta-feira santa para os que professam o catolicismo - o outono se apresentou oficialmente com todas as suas peculiaridades. Depois da neblina que cobria a manhã, o dia surgiu com as características próprias da meia-estação; o céu praticamente sem nenhuma nuvem escancarava o azul profundo típico dessa época do ano; a luz e a temperatura mais amena do Sol - o qual atinge o hemisfério sul com menos intensidade - dava às paisagens uma cor singular; o poente, que trazia consigo a sensação de um clima que vai cair gradativamente, deu um espetáculo à parte, colorindo o horizonte com nuances que variavam entre o amarelo, o laranja e o vermelho; a noite, com o mesmo céu aberto, agora estrelado, foi ilustrado com o clarão da Lua cheia que marca a celebração desses dias santos; Lua cheia que, embora poucos saibam, determina nosso calendário festivo e consequentemente nossos dias.

      Num país de clima predominantemente tropical como o nosso, talvez sejam poucas as pessoas que apreciem o outono, e menos ainda o inverno que o segue, pois, de certa forma, muitos já estão habituados a passar a maior parte do ano expostos a temperaturas elevadas. No entanto era mais do que necessário que a fervura dos últimos meses desse uma trégua e amenizasse a exaustão que ela nos provoca ao final de um dia; além de que já era preciso afastar um pouco o comportamento festivo do verão e a obrigatoriedade de ser feliz e se divertir que ele implica para ceder espaço a um tempo mais frio o qual nos impele a ficar mais reclusos e que nos induza a contemplar uma introspecção.
            Enfim, observando as estações de um modo mais racional, e de certa forma mais distante da beleza e das sensações causadas por elas em cada um de nós, podemos pensar que a ordem do Universo e da natureza, com sua sabedoria, condicionam os dias de todos os seres, nos submetendo a períodos de euforia nas estações mais quentes e a outros de certo retraimento nas estações mais frias, dando assim a oportunidade da vida se reorganizar, se refazer e ir seguindo adiante.

Marcelo Augusto da Silva - 04/04/2013