quinta-feira, 30 de maio de 2013

Shirley King, a dona da Virada Cultural



Não sei se o “efeito virada” (nome dado ao medo causado pelos arrastões e pela violência ocorrida na Virada Cultural em São Paulo nos dias 18 e 19) afetou a versão interiorana do evento, mas a sensação deixada pela Virada Cultural em São João da Boa Vista nesse último fim de semana, é que ela perdeu um pouco de sua força. Com um público formado por aproximadamente um terço das edições anteriores, cheguei a questionar para quem esse evento estava sendo realizado, uma vez que muitos que ali estavam, pareciam que tinham apenas como propósito “estar num local que tivesse bastante gente”, não para prestigiar algumas das atrações.
Em parte, o evento foi muito prejudicado pela organização técnica, cuja responsável foi a MS produções, uma empresa de sonorização e iluminação que gerou uma sucessão de atrasos e realizou uma má regulagem de som, a qual prejudicou o desempenho dos artistas e irritou o público.
O show da cantora Gal Costa, que nos dias anteriores parecia ser o mais cotado e, portanto, o que mais concentraria o público, já que muitos manifestavam interesse em vê-lo, não atingiu as expectativas previstas em relação ao número de espectadores e à apresentação em si. O show marcado para a 00h30 e que começou às 02h00, fez com que boa parte dos presentes, aos poucos, fosse deixando o local; depois de tanta espera a apresentação começou com um aspecto elitista e intimista; o show apresentado, Recanto, contém um acompanhamento eletrônico nas composições novas que vão do funk ao rap e arranjos diferenciados nas antigas, o que causou uma certa barreira entre a cantora e o público que parecia estar esperando um outro tipo de apresentação; Gal não chegou a ser arrogante, mas deu a impressão, em certos momentos, de estar posando de estrela, comportamento que pode ser entendido pelo destaque que a mídia vem dando a esse novo espetáculo e pela boa recepção que sua volta ao palcos teve.
Porém, sem a intenção de enaltecer os estrangeiros em detrimento dos brasileiros, o evento foi recompensado com o show de Shirley King, a qual encerrou a programação. Pouco conhecida no Brasil, a cantora que veio acompanhada de uma banda integrada por músicos de peso, esbanjou talento, competência e simpatia; os tropeços da sonorização quase passaram despercebidos diante de seu talento e carisma.

Shirley, que carrega consigo a responsa de ser filha do gênio dos blues B.B.King, trás no sangue a força da musicalidade e da voz negra, tem a expressividade característica dos artistas do sul dos EUA e a força do blues nas suas canções. Com uma simplicidade e um comportamento que dava a sensação que ela cantava para um grupo de velhos amigos, o espetáculo rolou envolvente e descontraído, junto com a energia de sua voz e as investidas de seus músicos, cada qual explorando ao máximo a sonoridade de seus instrumentos. Com toda a humildade, a cantora desceu do palco e foi junto ao público cantar abraçada a ele, retribuindo dessa maneira a consideração oferecida.
Se atrações foram prejudicadas ou deixaram a desejar, a musicalidade da filha do astro do blues apagou alguma má impressão que pairava no ar; despertou novamente o desejo de estar novamente na próxima edição da Virada Cultural Paulista, procurando “diversão e arte para qualquer parte”.
 Marcelo Augusto da Silva - 30/05/2013


 

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Sem grilo na cuca, somente na barriga.



Miséria é miséria em qualquer canto / Riquezas são diferentes
Índio, mulato, preto, branco / Miséria é miséria em qualquer canto

Miséria - Titãs

            A fome é um problema que atinge várias localidades, seria ingênuo pensar que somente os países subdesenvolvidos convivem com essa realidade crítica. No entanto, em algumas regiões a fome atinge níveis mais graves, como é o caso dos continentes africanos e asiáticos.
            Vítimas de uma exploração que vem de séculos, a África e a Ásia hoje concentram grandes núcleos populacionais, sendo que grande parte deles amargam com a fome. A exploração desses continentes foi inaugurada no final do século XV, com a Expansão Marítima de Portugal, a qual começou a tratar a África, e em sequência a Ásia, de uma forma em que ambas lhe garantissem resultados lucrativos; a escravidão do nativo africano pelos portugueses, a qual durou vários séculos, configurou-se num massacre que beirou o Holocausto[1]; no século XIX foi a vez das potências industrializadas europeias de invadirem a África e a Ásia e transformá-las em suas colônias, para assim pilharem tudo o que esses continentes tivessem para garantir seus lucros, como matérias primas, mercado consumidor e mão de obra barata. Após o final da Segunda Guerra Mundial uma crise que abalou essa dominação europeia e um nacionalismo que surgia nesses continentes, deram condições às colônias de conquistarem sua independência; porém a Europa rica, depois do estupro cometido contra esses povos e seus territórios, lhe deu de ombros e nunca se moveu para reparar seu dano. 
            Hoje esses continentes, principalmente o africano, sofrem com a fome crônica, o analfabetismo, o desemprego, as guerras civis e com as doenças endêmicas, mas pouco se continua a fazer para reversão desse quadro. A África é o continente que apresenta o mais baixo IDH[2]; no ranking dos dez países mais pobres do mundo, todos são africanos. A ferida continua aberta há muito tempo, mas pouco, ou quase nada, se tem feito para amenizar esse quadro dramático.
            No dia 13 desse mês, num tom mais parecido com o de uma piada de mau gosto, a ONU lança um plano para acabar com a fome na África e na Ásia. Com base num estudo, que mais merecia o Prêmio Ig Nobel[3], conduzido pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) a Organização afirma que um terço da população mundial, ou seja, mais de dois bilhões, completam sua dieta com larvas e insetos como gafanhotos, besouros e formigas, e sendo assim, o investimento na produção e na oferta dessa “forma de alimentação” seria a opção para livrar esses povos da fome.
            Consumidos em períodos passados, e hoje disponibilizados mais como uma tradição ou iguaria, esse tipo de alimento faz parte do cardápio de países do Oriente, mas não como um dos pratos básicos da alimentação de seus habitantes. O tom do estudo sugere que, como esses povos são pobres e estão morrendo de fome, a saída é dar-lhes insetos como uma alternativa de livrar-lhes da inanição.
            Enquanto a produção de alimentos mundial alcança um nível suficiente para abastecer a todos - porém com uma distribuição irregular, acesso desigual e um preço inacessível - o africano e asiático que se contente com um belo prato de insetos, pois, de acordo com uma interpretação da proposta da ONU, é melhor que a fome. Enquanto se discute em oferecer insetos a determinadas populações, vemos que em muitas partes do mundo florestas são devastadas, como o caso da nossa Amazônia, a fim de virarem pasto para criação de gado que será transformado em hambúrguer em grandes redes de fast food; deixa-se de plantar alimento para plantar combustível; grandes terras férteis viram grandes plantações de milho ou soja para se produzir ração para gado de corte. 
            É difícil qualificar a proposta ou até mesmo dar um adjetivo a ela. A ONU, um organismo soberano e com a nobre função de promover o bem estar da humanidade, mas que, no entanto, não conseguiu conter a invasão estadunidense ao Iraque e nem acabar com o conflito entre Israel e Palestina, agora parece querer se mostrar ativa e se manifestar contra esse mal que é a fome. Seria muito mais coerente, por exemplo, melhorar a distribuição, o preço dos alimentos e incentivar a produção familiar ante o agronegócio do que lançar um subterfúgio ou uma medida paliativa como essa.

Marcelo Augusto da Silva - 23/05/2013


[1] Perseguição e extermínio de milhares de pessoas integrantes de grupos como judeus, homossexuais, negros, ciganos, deficientes, entre outros, pelo Regime Nazista durante as décadas de 1930 e 1940.

[2](IDH) Índice de Desenvolvimento Humano é uma medida comparativa usada para classificar os países pelo seu grau de "desenvolvimento humano" e também para classificá-los como desenvolvidos e subdesenvolvidos. Seu resultado é obtido através da análise de dados como: expectativa de vida ao nascer, educação e PIB per capita, recolhidos a nível nacional.

[3] O Prêmio Ig Nobel é uma sátira do prêmio Nobel e é dado a cada outono para a descoberta científica mais estranha do ano.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

As armas de plástico dão medo de brincar?



A violência está em todo lugar / Não é por causa do álcool, nem é por causa das drogas.
A violência é nossa vizinha / Não é só por culpa sua, nem é só por culpa minha.
Violência gera violência.
Violência - Titãs


O avanço tecnológico tem trazidos vários benefícios e comodidades àqueles que têm o seu acesso, mas como sempre, há também aqueles que irão utilizar dessa vantagem para fins não tão dignos. É o que aconteceu nas últimas semanas com a disponibilização de um download com detalhes de como produzir uma arma de fogo de plástico usando uma impressora 3D; a arma poderia ser produzida por qualquer pessoa que tivesse o equipamento em sua casa.
            A tecnologia de impressão em 3D é um recurso em que um molde é desenvolvido em um software específico e depois enviado a uma impressora que produz o objeto em plástico, sendo que o usuário pode produzir engrenagens, peças, produtos, brinquedos ou qualquer outro artigo que sua imaginação permitir. No entanto essa imaginação foi longe demais para Cody Wilson, aluno de direito na Universidade do Texas, desenvolvedor das peças que montam a arma de plástico. Segundo o estudante, “a ideia de distribuir abertamente via Internet detalhes de como produzir armas foi inspirada por escritos anarquistas do século 19”; Wilson argumenta ainda, apoiado na ideologia estadunidense da intolerância e superioridade “que todos deveriam ter acesso a armas”.
No curto espaço de tempo que o projeto ficou disponibilizado, houve milhares downloads, o governo estadunidense, logo em seguida, decretou a sua proibição, exigindo que o mesmo fosse tirado da internet. No entanto, sabe-se que depois que um arquivo vai à rede é praticamente impossível barrar a sua disponibilidade devido à facilidade de transmissão; mesmo com a ordem de retirada pelo Departamento de Estado americano sob a alegação de que o projeto violaria as leis internacionais de controle de armas, o arquivo já havia sido disponibilizado pelo Pirate Bay, site que disponibiliza o torrrent[1] de arquivos. O Brasil foi um dos países que mais baixou esse arquivo.
Esse acontecimento retrata o perigo que a tecnologia pode trazer às pessoas e também a capacidade do ser humano de transformar aquilo que poderia ser usado de forma positiva em algo maléfico. Com uma história marcada por casos de violência, tragédias, chacinas e acidentes causados pelo uso desregrado de armas de fogos pelo cidadão estadunidense, o qual tem uma facilidade maior de aquisição de armamentos, essa prática pode ainda ser facilitada com essa nova forma de acesso às armas.
Enquanto alguns Estados, ONGs e sociedade civil não poupam esforços para acabarem com a “cultura do uso de armas”, promovendo campanhas e movimentos pacifistas e campanhas de desarmamento - comportamento que gerou a proibição da comercialização das armas de brinquedo, por exemplo -  outros como os EUA usam a tecnologia para armar o cidadão, servindo-se sempre da velha mentira da segurança, da autodefesa e da maior tolice de todas ao afirmar “o cidadão de bem tem o direito de se proteger da violência”, chavão que além de contar uma grande contradição, não passa de um argumento vazio e insano para justificar o conduta daqueles que no fundo tem a índole inconsequente e violenta.    



[1] Torrent é um protocolo que permite o compartilhamento de qualquer tipo de arquivo entre usuários. Devido a isso, o Torrent não pode ser considerado um software para fins ilegais, pois qualquer pessoa pode usar o protocolo para distribuir arquivos. Se conteúdos ilegais são distribuídos pelo serviço, a responsabilidade, neste caso, é dos usuários que o fazem, e não do programa.


Marcelo Augusto da Silva - 16/05/2013

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Obama, por favor, feche Guantánamo!



"Guantánamo é o símbolo da injustiça e do abuso”
Depoimento da Anistia Internacional

A greve de fome realizada pelos prisioneiros de Guantánamo só vem a confirmar que o fechamento da prisão já passou da hora de acontecer. Barack Obama, que tinha como promessa de campanha o seu encerramento, não consegue ter uma ação definitiva sobre a decisão, pois o Congresso estadunidense não aceita o fim das atividades dessa bizarra prisão alegando argumentos esfarrapados. Embora sem sucesso, Obama parece ser o único presidente que tem uma visão um pouco mais coerente em relações às arbitrariedades que marcam a história do seu país.
O manifesto grevista realizado por 130 dos 166 presos na prisão cubana - que tem finalidade hoje de abrigar presos com suspeita de terrorismo - tem como objetivo protestar contra a suas detenções indefinidas e sem acusações formais. Para agravar a situação, o governo estadunidense, numa manobra para diminuir os efeitos das atrocidades por eles cometidas em Guantánamo, alimentam alguns dos manifestantes à força, atitude que viola o direito individual de escolha ou não em receber tratamento.
A prisão de Guantánamo está localizada no sul de Cuba, mais precisamente na baía de Guantánamo, numa área de 116km2, a qual desde 1903, de acordo com um decreto assinado com Cuba, dá o arrendamento perpétuo da área aos EUA. Assim, nenhuma organização ou organismo de defesa dos Direitos Humanos, inclusive a ONU, têm autorização para entrar na região, o que dá possibilidade dos estadunidenses de promoverem quaisquer atitudes grotescas, como os já denunciados casos de maus tratos e torturas contra os presos suspeitos de terrorismo. Os casos de violação dos Direitos Humanos contra os detentos de Guantánamo são vários: abusos, agressões físicas, a não possibilidade de terem um advogado ou contato com a família e nem mesmo acesso ao Alcorão, o livro sagrado do Islamismo, o qual é essencial àqueles que professam essa religião.
Pautados numa ideologia em que defende a democracia e divulgadores da ideia de que os EUA é o país da liberdade, seus habitantes e seus representantes a cada vez confirmam ainda mais que isso é uma falácia; prepotentes, autoritários e arrogantes, seu discurso na prática defende a democracia desde que seja a sua democracia. A prisão só marca a história do país com mais uma sujeira e com mais um ato de ultraje e de desrespeito às diferenças; sob a afirmação de que o terrorismo é uma mal atual e deve ser banido, os estadunidenses se mostram tão injustos e intolerantes como qualquer extremista ou fundamentalista do Oriente Médio, usam assim de sofismas e de meios sórdidos para impor seu domínio mantendo uma imagem de integridade.
Se a eleição de Barack Obama em 2008 - o primeiro presidente negro e com uma trajetória não tão ultradireita com seus antecessores - sinalizou uma mudança de comportamento do país em relação a todos seus atos insanos e imperiais, como a invasão ao Iraque e a própria Guantánamo, seu governo não tem se mostrado eficiente para colocar em prática uma proposta que todo mundo está há muito tempo exigindo. É preciso achar meios dentro do Congresso conservador e reacionário estadunidense para acabar de vez com esse fantasma que a prisão se tornou, e futuramente conquistar tantas outras mudanças que já deveriam ter se concretizado.
Detentos da prisão de guantánamo

Marcelo Augusto da Silva - 08/05/2013