quinta-feira, 23 de maio de 2013

Sem grilo na cuca, somente na barriga.



Miséria é miséria em qualquer canto / Riquezas são diferentes
Índio, mulato, preto, branco / Miséria é miséria em qualquer canto

Miséria - Titãs

            A fome é um problema que atinge várias localidades, seria ingênuo pensar que somente os países subdesenvolvidos convivem com essa realidade crítica. No entanto, em algumas regiões a fome atinge níveis mais graves, como é o caso dos continentes africanos e asiáticos.
            Vítimas de uma exploração que vem de séculos, a África e a Ásia hoje concentram grandes núcleos populacionais, sendo que grande parte deles amargam com a fome. A exploração desses continentes foi inaugurada no final do século XV, com a Expansão Marítima de Portugal, a qual começou a tratar a África, e em sequência a Ásia, de uma forma em que ambas lhe garantissem resultados lucrativos; a escravidão do nativo africano pelos portugueses, a qual durou vários séculos, configurou-se num massacre que beirou o Holocausto[1]; no século XIX foi a vez das potências industrializadas europeias de invadirem a África e a Ásia e transformá-las em suas colônias, para assim pilharem tudo o que esses continentes tivessem para garantir seus lucros, como matérias primas, mercado consumidor e mão de obra barata. Após o final da Segunda Guerra Mundial uma crise que abalou essa dominação europeia e um nacionalismo que surgia nesses continentes, deram condições às colônias de conquistarem sua independência; porém a Europa rica, depois do estupro cometido contra esses povos e seus territórios, lhe deu de ombros e nunca se moveu para reparar seu dano. 
            Hoje esses continentes, principalmente o africano, sofrem com a fome crônica, o analfabetismo, o desemprego, as guerras civis e com as doenças endêmicas, mas pouco se continua a fazer para reversão desse quadro. A África é o continente que apresenta o mais baixo IDH[2]; no ranking dos dez países mais pobres do mundo, todos são africanos. A ferida continua aberta há muito tempo, mas pouco, ou quase nada, se tem feito para amenizar esse quadro dramático.
            No dia 13 desse mês, num tom mais parecido com o de uma piada de mau gosto, a ONU lança um plano para acabar com a fome na África e na Ásia. Com base num estudo, que mais merecia o Prêmio Ig Nobel[3], conduzido pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) a Organização afirma que um terço da população mundial, ou seja, mais de dois bilhões, completam sua dieta com larvas e insetos como gafanhotos, besouros e formigas, e sendo assim, o investimento na produção e na oferta dessa “forma de alimentação” seria a opção para livrar esses povos da fome.
            Consumidos em períodos passados, e hoje disponibilizados mais como uma tradição ou iguaria, esse tipo de alimento faz parte do cardápio de países do Oriente, mas não como um dos pratos básicos da alimentação de seus habitantes. O tom do estudo sugere que, como esses povos são pobres e estão morrendo de fome, a saída é dar-lhes insetos como uma alternativa de livrar-lhes da inanição.
            Enquanto a produção de alimentos mundial alcança um nível suficiente para abastecer a todos - porém com uma distribuição irregular, acesso desigual e um preço inacessível - o africano e asiático que se contente com um belo prato de insetos, pois, de acordo com uma interpretação da proposta da ONU, é melhor que a fome. Enquanto se discute em oferecer insetos a determinadas populações, vemos que em muitas partes do mundo florestas são devastadas, como o caso da nossa Amazônia, a fim de virarem pasto para criação de gado que será transformado em hambúrguer em grandes redes de fast food; deixa-se de plantar alimento para plantar combustível; grandes terras férteis viram grandes plantações de milho ou soja para se produzir ração para gado de corte. 
            É difícil qualificar a proposta ou até mesmo dar um adjetivo a ela. A ONU, um organismo soberano e com a nobre função de promover o bem estar da humanidade, mas que, no entanto, não conseguiu conter a invasão estadunidense ao Iraque e nem acabar com o conflito entre Israel e Palestina, agora parece querer se mostrar ativa e se manifestar contra esse mal que é a fome. Seria muito mais coerente, por exemplo, melhorar a distribuição, o preço dos alimentos e incentivar a produção familiar ante o agronegócio do que lançar um subterfúgio ou uma medida paliativa como essa.

Marcelo Augusto da Silva - 23/05/2013


[1] Perseguição e extermínio de milhares de pessoas integrantes de grupos como judeus, homossexuais, negros, ciganos, deficientes, entre outros, pelo Regime Nazista durante as décadas de 1930 e 1940.

[2](IDH) Índice de Desenvolvimento Humano é uma medida comparativa usada para classificar os países pelo seu grau de "desenvolvimento humano" e também para classificá-los como desenvolvidos e subdesenvolvidos. Seu resultado é obtido através da análise de dados como: expectativa de vida ao nascer, educação e PIB per capita, recolhidos a nível nacional.

[3] O Prêmio Ig Nobel é uma sátira do prêmio Nobel e é dado a cada outono para a descoberta científica mais estranha do ano.

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