“Todas as mágoas são suportáveis quando fazemos delas uma
história ou contamos uma história a seu respeito".
Isak Dinesen – escritora dinamarquesa
Há algum tempo a sociedade em geral e o poder
público têm promovido um debate crescente em relação ao bullying, bem como ações de esclarecimento, prevenção e punição
contra essa prática. De fato, o combate a essa atitude é de extrema
necessidade, visto que são muitos os que sofreram e ainda sofrem com a
perseguição em sua infância e adolescência; pode-se até afirmar que tardou-se a
tonar o assunto evidente, devido aos malefícios que ele traz ao indivíduo e à
sociedade.
No entanto, é preciso destacar que o termo
exige ser aplicado de forma correta e em momento oportuno, uma vez que vemos
hoje ele ser usado à revelia, tornando-se desgastado e consequentemente sem uma
direção específica. Embaso tal afirmação em experiências que presencio no
contato com crianças, adolescentes e muitos profissionais que lidam com essas
faixas etárias, os quais insistem em qualificar quaisquer atitudes de
desentendimento ou conflito de relações como bullying. Na realidade o que caracteriza um ato como tal é uma
perseguição contínua, uma humilhação constante, uma violência física, verbal ou
moral de cunho preconceituoso, a qual retira a vítima do convívio social sadio,
colocando-a numa situação isolada e longe do desenvolvimento adequado, podendo
transformá-la num adulto inseguro e emocionalmente abalado. Leandro Karnal,
professor de História da UNICAMP, já debateu o esvaziamento do termo, afirmando
que o que era “chatice” ou “implicância” no passado, começou a ser tratado atualmente
como bullying.
Junto com a preocupação do problema do bullying e os programas de informação e de
combate à sua prática, o cinema investiu no assunto, aproveitando-se do momento
para realizar uma série de filmes que debatem esse comportamento e suas
consequências, muitos deles explorando o tema de maneira deturpada, com fins
sensacionalistas e econômicos, deixando de lado a seriedade desse mal intrínseco
das relações.
No caminho oposto a esse cinema banalizado e
interesseiro, em 2012 foi realizado o filme Depois
de Lúcia, uma produção mexicana dirigida por Michael Franco, que aborda o
problema de acordo como ele ocorre na maioria dos casos: um terror silencioso e
maligno, uma aflição e um tormento na vida de crianças e adolescentes, o qual
tem desdobramentos desastrosos para vítimas e familiares. Sem cair no chavão e
no estereótipo, narra a situação de uma adolescente que após a morte da mãe,
muda de cidade para tentar superar a perda; fechada e retraída em seu luto da
mesma maneira que o pai, a jovem, vítima de uma exposição causada pelo acesso à
tecnologia (no caso celulares e compartilhamento de vídeos) e do consumo abusivo
de drogas lícitas e ilícitas pelo grupo agressor, sofre todo o tipo de
perseguição e humilhação que o público nem supõe acontecer.
Dessa maneira, o diretor explora o problema
com a mesma intensidade e crueldade que o bullying
provoca, colocando o expectador numa situação sufocante, a qual o deixa num
estado agonizante ao testemunhar tanta violência que o jovem é capaz de
produzir. Em determinados momentos, chega-se a pensar que as situações
retratadas são carregadas de exagero, tanto da parte dos agressores, os quais
são capazes de agredirem a adolescente de uma forma selvagem, e também da
própria vítima, que sofre toda a violência sem demonstrar nenhuma reação e nem
a mínima tentativa de denúncia nos raros momentos em que o caso chega ao
conhecimento dos adultos; por outro lado o diretor possivelmente usou a
estratégia do excesso para revelar um lado sombrio do bullying, onde a vítima, por medo ou por outro motivo, apresenta um
comportamento cada vez mais fechado e o agressor cada vez mais sem limites.
Com um
efeito de incômodo, insegurança, piedade e revolta causada pela trama, ela traz
a possibilidade da sociedade analisar e tratar desse problema longe do
sensacionalismo e encará-lo como um inimigo presente, porém na maioria das
vezes imperceptível, em muitos momentos do cotidiano.
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