segunda-feira, 4 de março de 2013

Ainda sobre a blogueira cubana


          Não há como não se posicionar diante dos acontecimentos que envolvem as acusações ao seu país pela blogueira cubana Yoani Sánchez, seus defensores e à rejeição dada a ela pelos seus adversários. Inicialmente, deve se saber que em todos os casos, ou seja, em Cuba, nos manifestantes de ambos os lados e nas palavras de Yoani há controvérsias que devem ser ditas e discutidas.
            Sempre fui um simpatizante do socialismo e um leitor de Karl Marx, no entanto, consigo entender hoje o marxismo e a doutrina socialista dentro de seu tempo, e interpreto suas aplicações dentro da realidade do mundo atual, e provavelmente por isso, não deixo de enxergar os defeitos de Cuba. É fato que o socialismo da Ilha é uma ditadura em que não há liberdades, lá é partido único e Fidel Castro - com a explicação de lutar e defender a revolução - está no governo desde 1959. Por outro lado também devemos lembrar que não há liberdades em outros países, nos quais os indivíduos são vítimas de um sistema capitalista que os colocam dentro de uma prisão invisível em que são condenados a viverem num inferno, no qual existe a possibilidade de ter, mas não a oportunidade de ter; assim como há também tiranias dentro de democracias, as quais se aproveitam de brechas na lei ou de esquemas políticos e conchavos de uma política corrupta para se manterem no poder.
            Se posicionar do lado do não como faz a nossa mídia gorda (leia-se Veja e Rede Globo) e julgar a partir de seus próprios valores, é impor uma ideologia sem que ela passe pelo crivo de uma avaliação imparcial. Difícil e digno é conseguir ver no outro seus equívocos e ao mesmo tempo admitir seus acertos. Embora com todos seus erros e com sua ditadura, Cuba tem uma qualidade de vida que muitas democracias liberais vem tentando conquistar há anos; os cubanos têm educação e saúde de alto nível, e as diferenças sociais entre eles praticamente inexistem, o que, creio eu, faz com que qualquer pessoa de outra democracia deseje viver lá.
            O alarde provocado pela visita da blogueira ao Brasil só vem a acender uma velha disputa entre socialismo e capitalismo, a qual ela mesma afirmou, é um “discurso fora de moda”, afirmação com a qual concordo, pois as experiências passadas já anularam essa disputa; além de que suas aparições serviram também para partidários cegos e fanáticos usarem como picuinha e ataques histéricos que não vão mudar a situação de nenhum dos lados.
            No entanto, Yoani não foi justa, embora a mesma clame por justiça, ao posar no país como a celebridade do momento, a qual ocupou as capas de jornais e revistas e dominou o noticiário televisivo, nem foi justa também ao passear como estrela pelo calçadão de Copacabana tendo sua hospedagem em hotel cinco estrelas e despesas pagas com dinheiro público da Secretaria de Turismo do Rio de Janeiro. Cobrou a atuação dos Direitos Humanos na Ilha sem mencionar as atrocidades que acontecem em Guantánamo[1] e esqueceu, talvez por querer, de dizer que muitas das carências de Cuba hoje, são resultados do embargo econômico decretado pelos EUA[2].
            Criticar do lado de fora, assim como fez a blogueira, seus partidários e seus adversários é assumir uma condição muito confortável.
Marcelo Augusto da Silva - 04/03/2013



[1] Prisão militar estadunidense dentro do território cubano. Embora essa prisão esteja em Cuba, os EUA têm total autonomia e soberania sobre ela.

[2] O embargo dos EUA a Cuba é um embargo econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba pelos estadunidenses a partir 1962, convertido em lei na década de 1990. Em 1999, o presidente Bill Clinton ampliou este embargo comercial proibindo as filiais estrangeiras de companhias estadunidenses de comercializar com Cuba, a valores superiores a 700 milhões de dólares anuais. A medida está em vigor até os dias atuais, tornando-se um dos mais duradouros embargos econômicos na história moderna.

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